A população brasileira envelhece em ritmo acelerado. Segundo dados do IBGE, a participação de pessoas com 60 anos ou mais no total de habitantes do país quase dobrou entre 2000 e 2023 —passou de 8,7% para 15,6%. Projeções do instituto estimam que o percentual alcançará 37,8% em 2070, um universo aproximado de 75,3 milhões de pessoas.
O fenômeno configura desafio em diferentes esferas, especialmente na área da saúde. No acompanhamento de doenças crônicas que têm maior incidência no segmento, como o diabetes, o tema carece não só de planejamento, como também de ações agudas que desarmem a bomba-relógio já instalada no controle da doença no Brasil.
Pesquisa inédita realizada entre julho e agosto deste ano pela consultoria Imagem Corporativa para a Federação Vozes do Advocacy em Diabetes e Obesidade junto a 1.843 brasileiros que referem diagnóstico da doença lança luz sobre as barreiras que os pacientes enfrentam no tratamento de diabetes no país.
O perfil do estrato já indica seu grau de vulnerabilidade social —a maioria tem 60 anos ou mais, estudou até o ensino fundamental e possui renda familiar de até dois salários mínimos.
É, portanto, um grupo com alta dependência dos serviços públicos. Apenas 24% possuem plano de saúde e a grande maioria passa por consultas e faz exames por meio do SUS (Sistema Único de Saúde). A busca por medicamentos e materiais de controle gratuitos ou subsidiados pelo governo alcança 84% do universo.
Os problemas começam na frequência de monitoramento da doença —no total, 16% não costumam passar por consultas ou o fazem em periodicidade inadequada, o que corresponde a um contingente de 2 milhões de pessoas.
As principais barreiras são os prazos tanto para o agendamento como para as datas das consultas. Também geram insatisfação a dificuldade de acesso a resultados de exames, a quantidade insuficiente de médicos e os problemas para se conseguir medicamentos, este último considerado pelos entrevistados o vetor mais importante para o acompanhamento do diabetes. As barreiras têm maior impacto sobre os segmentos de menor renda e baixa classificação econômica.
As consequências desse cenário estão no descontrole da doença e agravamento do quadro. Um em cada três relata taxas de hemoglobina glicada acima de padrões aceitáveis, a maioria refere hipertensão e metade diz ter problemas de visão.
O acompanhamento inadequado dos problemas de visão reflete inclusive a demora para o atendimento oftalmológico, uma espécie de prognóstico do quanto as barreiras devem se espraiar com o fim do bônus demográfico. Na pesquisa Vozes/IC, 21% dizem estar na fila dos SUS para consulta com um oftalmologista, condição na qual se encontram em média há sete meses.
A questão obriga metade dos que têm diabetes a procurar atendimento pago do especialista, aprofundando desigualdades —os que não têm recursos correm o risco de desenvolverem retinopatia, doença que provoca cegueira e que já é referida por 12% da amostra.
O impacto dessas intercorrências sobre diferentes cenários, especialmente no econômico, foram quantificados em estudo divulgado em 2018 pela universidade britânica King’s College, que projetou valores entre US$ 97 bilhões e US$ 123 bilhões de gastos diretos e indiretos com a doença no Brasil em 2030, o dobro do calculado em 2015, de US$ 57,7 bilhões. A estimativa considera reflexos sobre perda de produtividade de trabalhadores, mortes prematuras e complicações associadas ao diabetes.
Os resultados revelam a urgência em se adequar a oferta de serviços à demanda crescente. Caso contrário, barreiras e gargalos de hoje tendem a se intensificar no futuro próximo, a exemplo do que já acontece em atendimentos especializados e nas complicações da doença. Enquanto isso, o grande prejudicado é, como na maioria das vezes, o brasileiro de menor renda, que encontra na pesquisa de opinião pública um meio raro de ter sua voz representada com o peso que ela tem de fato.