Richard Dawkins, biólogo que já instigou a comunidade científica com a teoria do gene egoísta, pilar da sociobiologia, perdeu outra oportunidade de ficar quieto. Não pega bem um intelectual do seu calibre fazer elogio rasgado a Elon Musk, estrela obscurantista do governo Trump 2.
Foi na rede social X (ex-Twitter), aliás de propriedade do dono da Tesla e da Space X, a pessoa mais rica da Terra. Dawkins escreveu ali ter esperança no fato de Musk não ser “um homem mendaz, malevolente, transparentemente mau e ainda por cima estúpido” como Trump.
O leitor que segure o jornal, celular ou tablet, diante de tanta ingenuidade: “Ele [Musk] é altamente inteligente e, diametralmente em oposição a Trump, tem no coração o bem-estar do mundo”.
Só se for em Marte, planeta para o qual ele planeja escafeder-se com outros pós-illuminati quanto a Terra for para o saco. No Departamento de Eficiência Governamental, Musk tocará o terror entre funcionários que defenderam o bastião do “deep state” contra maluquices de Trump no primeiro mandato.
Carole Cadwalladr, do jornal Guardian, usou o termo “broligarquia” para designar a clique de tecnobróders como Musk, Peter Thiel e Jeff Bezos. A turma que se bandeou para o agente laranja da direita incivilizada republicana.
Vão lucrar com o rebaixamento do Estado à gestão empresarial. Musk ficou US$ 70 bilhões (R$ 400 bi) mais rico com a reeleição de Trump.
Nem tudo são trevas, porém, no futuro desenhado pelos luminares do silício. Melhor dizendo, a metáfora de luzes e sombras não se presta mais a ilustrar o que se prefigura para a massa de desancorados e desesperados eleitores do apresentador que demitia aprendizes perante milhões grudados à tela da TV.
A saúde mental em deterioração não poderia deixar de aparecer no radar dos comandantes da uberização do trabalho e da antissocialização pelas redes, agora turbinadas pela inteligência artificial. Os mesmos capitalistas que lucram com elas também querem ganhar com a mitigação psicodélica da miséria existencial.
Um sintoma da abertura de conservadores para drogas alteradoras da consciência veio com a proliferação do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) entre veteranos das guerras que os EUA provocam. Centenas de milhares padecem com o distúrbio, e duas dezenas se suicidam a cada dia.
Terapias e medicamentos disponíveis não dão bons resultados para muitos ex-combatentes. Há 25 anos não surgem novos tratamentos. As esperanças se voltaram para o psicodélico MDMA (ecstasy) como apoio à psicoterapia, mas a inovação foi rejeitada pela agência FDA em agosto.
A decisão do órgão de governo causou revolta à esquerda e à direita, de ex-hippies e neoxamãs a veteranos de guerra e políticos de direita. Um dos críticos, Robert Kennedy Jr, vai assumir o Departamento de Saúde dos EUA.
O advogado ambientalista de família ilustre costuma ser lembrado por lançar dúvidas sobre segurança de vacinas. Mas ele também já criticou a FDA por “suprimir” psicodélicos como os usados por Musk e fomentados por Thiel.
Joe Rogan, do podcast pró-Trump, perguntou ao ateu Dawkins, em 2019, se ele tinha experimentado psicodélicos. Não, respondeu. Quem sabe agora, com sua fé inquebrantável em Musk?
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