Obviamente que, quando queria, Lynch fazia, sim, filmes mais clássicos, humanistas, como “História Real” (1999), que conta a história, baseada em fatos reais, de Alvin Straight, um homem de 73 anos que percorreu quase 400 quilômetros de estrada nos Estados Unidos a bordo de um cortador de gramas para visitar seu irmão que havia tido um derrame.
O roteiro do filme é linear como a trajetória de Alvin, mas nem por isso simplista. É honesto e emocionante, um dos filmes menos lembrados do cineasta, que, com “Homem Elefante”, também contou outra história real com simplicidade, mas nem por isso menos sofisticação. “Homem Elefante”, que teve oito indicações ao Oscar, incluindo melhor diretor, é uma pequena joia.
Ainda que mais conhecido por seu cinema de estranheza e sonhos, ele não era como Federico Fellini, que anotava e desenhava os sonhos quando acordava. Lynch sonhava acordado mesmo e dizia que não se lembrava muito de seus sonhos, mas, sim, que eles iam se revelando em seus sets.
De fato. Muito por isso, às vezes, o que vemos é um pesadelo, como o de Fred em “Estrada Perdida”. Ainda assim, nunca foi exatamente um cinema de horror. Seria reducionista rotulá-lo assim. O horror em Lynch é a sensação de que algo está fora do lugar, que pensamentos intrusivos penetram nossa mente e a tela do cinema. E quase ganham corpo em 3D saindo para nos assombrar, feito seus personagens bizarros. Um dos mais queridos —e até engraçados?— é a Mulher do Tronco de “Twin Peaks”. O que é a mulher que carrega um pedaço de madeira como se fosse um bebê?
Catherine Coulson, a Mulher do Tronco e parceira de trabalhos e amiga do cineasta, conversava com o tronco e pedia que os outros, como o agente especial Cooper (Kyle MacLachlan), também fizessem perguntas ao “bebê”. Lynch, com seu humor peculiar de sempre, dizia que ela era a pessoa mais normal da série.
Recentemente, em 2020, inventou o programa “What is David Working on Today?”, disponível no YouTube, em que explicava os projetos em madeira que estava construindo, como um suporte para seu telefone celular, que serviria de câmera em um projeto, um urinol, uma casinha, uma pia? Documentou também em “Interview Projetct” (Projeto Entrevista) tipos e personagens muito reais, mas muitas vezes tão bizarros quantos os de suas ficções, dos EUA. Com interesse genuíno, ouvia as pessoas sobre suas vidas, trabalho e, claro, sonhos.