Inca e associações discordam sobre mamografia após 50 anos – 27/01/2025 – Equilíbrio e Saúde – Zonatti Apps

Inca e associações discordam sobre mamografia após 50 anos – 27/01/2025 – Equilíbrio e Saúde

Após a polêmica gerada em torno da consulta pública para a criação de um selo de qualidade proposto pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) que sugere que os planos de saúde incentivem o rastreamento por mamografia entre 50 e 69 anos, o Inca (Instituto Nacional de Câncer) publicou comunicado endossando essa orientação sob o argumento de que ela está baseada nas melhores evidências científicas disponíveis.

Em resposta, a CNM (Comissão Nacional de Mamografia), composta pelo Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico de Imagem, a Febrasgo (Federação das associações de ginecologia e obstetrícia) e a Sociedade Brasileira de Mastologia divulgou uma nota técnica contestando o posicionamento do Inca. Afirma que a recomendação desconsidera evidências epidemiológicas, falhas no programa atual de rastreamento e as características demográficas das brasileiras.

O imbróglio se arrasta há uma semana, quando entidades médicas e de pacientes alertaram que, entre os critérios propostos pela ANS para a certificação de boas práticas em atenção oncológica, estava a realização de rastreamento populacional do câncer de mama a cada dois anos, com mamografia em pacientes de 50 a 69 anos, conforme métrica utilizada pelo Inca e Ministério da Saúde.

Na ocasião, a ANS afirmou que a proposta não tem relação e nem altera a cobertura assistencial garantida no rol de procedimentos da agência, que garante mamografia bilateral para mulheres de qualquer idade, conforme indicação médica, e mamografia digital para mulheres de 40 a 69 anos.

No documento do Inca, divulgado no último domingo (26), Roberto de Almeida Gil, diretor-geral do instituto, diz que desde 2004 o órgão recomenda o rastreamento para mulheres entre 50 e 69 anos, a cada dois anos. Informa também que em 2015 o Ministério da Saúde avaliou a possibilidade de ampliar o rastreamento para mulheres com menos de 50 anos e para aquelas acima de 70 anos, mas que, após análise, foi decidido que a faixa etária do rastreamento não seria ampliada, uma vez que as evidências científicas não demonstraram benefícios claros para essas idades.

Em março de 2024, o Inca diz que revisou novamente a questão, com base em novos dados, incluindo 16 metanálises e oito ensaios clínicos randomizados. “Embora alguns estudos tenham apontado uma possível redução de risco em determinados casos, a maioria das evidências não mostrou benefícios consistentes no rastreamento para mulheres abaixo de 50 anos ou acima de 69 anos”, informa.

Segundo o órgão, a sensibilidade da mamografia é significativamente menor em mulheres mais jovens, variando entre 53% e 77% a cada dois anos, em comparação com 88% na faixa etária entre 50 e 69 anos. “Esse fator contribui para a conclusão de que a ampliação do rastreamento para faixas etárias fora do intervalo recomendado não resultaria em benefícios concretos e sustentáveis ao longo do tempo.”

Além disso, reforça o instituto, o rastreamento em mulheres mais jovens pode acarretar riscos, como a realização de exames desnecessários, biópsias, cirurgias, e o aumento da ansiedade, uma vez que alterações detectadas podem ser benignas, mas demandam tratamentos invasivos.

“A exposição à radiação também é um fator de preocupação, especialmente em mulheres mais jovens, que podem ser submetidas a exames de mamografia sem necessidade clínica.”

Por esses motivos, o Inca diz que o órgão e o Ministério da Saúde seguem as recomendações de organizações internacionais como o Nice (Reino Unido), a Task Force (Canadá), e a OMS (Organização Mundial de Saúde), que também não recomendam a ampliação do rastreamento para essas faixas etárias.

O instituto ressalta ainda que, fora das faixas etárias recomendadas para o rastreamento populacional, a mamografia pode ser indicada individualmente por médicos, com base na avaliação clínica de cada paciente.”

O Inca reconhece o direito legítimo das sociedades médicas de questionar as diretrizes, desde que baseados em evidências científicas, e caso necessário, podem solicitar uma nova avaliação junto à Conitec, responsável pela legitimação das recomendações de incorporação de tecnologias no SUS.”

Em nota técnica publicada nesta segunda (27), as entidades médicas que integram a CNM reafirmaram a recomendação de rastreamento mamográfico anual, preferencialmente digital, para todas as mulheres dos 40 aos 74 anos, e de forma individualizada a partir dos 75 anos.

“Esta recomendação se fundamenta em evidências científicas robustas, dados epidemiológicos nacionais e internacionais e na realidade da saúde pública e suplementar brasileira. Fundamentação científica e epidemiológica.”

Diz que a incidência do câncer de mama tem aumentado nas últimas décadas em todo o mundo, com um crescimento de 0,5% ao ano entre 2010 e 2019, e que essa tendência é maior em mulheres abaixo de 50 anos, especialmente em países com índice de desenvolvimento humano (IDH) baixo ou moderado.

No Brasil, segundo as entidades médicas, estudos mostram que 40% das mulheres diagnosticadas com câncer de mama estão abaixo dos 50 anos e 20% estão acima dos 69 anos. “Isso significa que 60% das mulheres que tiveram diagnóstico de câncer de mama no Brasil não teriam a chance de detecção precoce se submetidas as recomendações atuais do Inca, que se restringe à faixa etária de 50 a 69 anos.”

Além disso, reforçam, de acordo com dados da vigilância epidemiológica, 22% dos óbitos por câncer de mama no Brasil ocorrem antes dos 50 anos e 34% após os 70 anos.

De acordo com elas, diversos estudos mostram que mulheres que realizam a mamografia apresentam menor risco de morrer de câncer de mama. Um estudo recente, por exemplo, mostrou redução de 41% no risco de morrer por câncer da mama em dez anos em mulheres cujo diagnóstico foi feito pela mamografia.

“Nesse contexto, apesar da nota de posicionamento recente divulgada pelo Inca afirmar que não existem benefícios consistentes as mulheres fora da faixa etária de 50 a 69 anos, os principais ensaios clínicos randomizados mostraram uma redução de mortalidade nas mulheres entre 40 e 49 anos.”

Sobre os eventuais riscos associados ao rastreamento do câncer de mama, as entidades dizem que os riscos são muito inferiores aos benefícios e não devem ser utilizados como razão para não realizá-la. Um dos riscos é o chamado falso-positivo, que se refere a uma situação em que é detectado uma anormalidade que não é câncer, mas que torna necessário investigação adicional para determinar sua natureza benigna ou maligna.

“Essa investigação, em geral, significa apenas exames de imagem adicionais, já que somente uma minoria resulta em biópsias, das quais a vasta maioria é minimamente invasiva.”

Segundo as entidades, nos Estados Unidos, a mortalidade teve um declínio de 43% entre 1989 e 2020 e que, segundo estudos, a maior redução é observada quando o rastreamento anual inicia a partir dos 40 anos. “No Brasil, ao contrário dos Estados Unidos e outros países com programas de rastreamento estabelecidos, não se observa redução na mortalidade, mas sim uma tendência de aumento da mortalidade em todos os estados.”

Para elas, muitos fatores podem ser responsáveis por esse fato, mas dois devem ser destacados: a baixa taxa de cobertura mamográfica observada no país (entre 6,7% à 33,6% para as mulheres entre 50 a 69 anos), muito inferior ao recomendado pela OMS (mínimo de 70%), assim como a exclusão de um grupo importante de mulheres, com idade entre 40-49 anos, das recomendações de rastreamento pelo sistema público no Brasil. Como consequência, afirmam, os tumores no Brasil são diagnosticados frequentemente em um estadiamento mais avançado, quando comparados com países com programas de rastreamento estabelecidos.

A nota técnica também reforça que a população brasileira tem maior prevalência de fatores de risco em idades mais precoces, além de acesso desigual a tratamentos em estágios avançados. “Diretrizes baseadas em realidades europeias ou em países com programas consolidados de rastreamento não são diretamente aplicáveis ao Brasil.”

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