SUS realiza cirurgias em pacientes trans e intersexo no AM – 28/01/2025 – Equilíbrio e Saúde – Zonatti Apps

SUS realiza cirurgias em pacientes trans e intersexo no AM – 28/01/2025 – Equilíbrio e Saúde

A estudante de odontologia Emy Rigonatty, 26, deve se tornar, até o fim de 2027, a primeira dentista transexual do estado do Amazonas. Isto porque ela realizou, em agosto do último ano, a cirurgia de redesignação sexual, para que haja uma concordância entre o gênero de reconhecimento e os órgãos sexuais.

Emy foi uma das 22 pacientes que participaram do mutirão de cirurgias em pessoas transexuais e intersexo no AM pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Um fato histórico, já que tradicionalmente o estado não possui nenhum centro de referência para a redesignação sexual no serviço público.

“Nunca houve esse tipo de cirurgia em pessoas trans e intersexo no estado, e eu fui uma das escolhidas, dentre centenas de meninas que estavam à espera da cirurgia pelo SUS, então sou imensamente grata por essa oportunidade”, disse a estudante, que também viveu momentos desafiadores nos últimos anos enquanto cursava a sua transição sexual, como um caso de discriminação em sua faculdade ao não ser reconhecida como mulher e o uso irregular de hormônios para feminização.

O evento ocorreu de 27 a 31 de agosto e foi organizado pelo HUGV-UFAM (Hospital Universitário Getúlio Vargas da Universidade Federal do Amazonas) e pelo Ministério da Saúde, com apoio da Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), uma empresa vinculada ao Ministério da Educação e responsável por gerir os 40 hospitais universitários federais do Brasil e também da Sociedade Brasileira de Urologia.

Dentre os pacientes atendidos na ocasião havia também três indígenas intersexo —pessoas com mutações nos cromossomos sexuais e que apresentam características tanto masculinas quanto femininas, como testículos e vagina—, ajudando também a garantir o reconhecimento de gênero nesta população muitas vezes invisibilizada.

De acordo com os organizadores, a demanda no estado e em toda a região Norte era alta, mas sem um centro capacitado para realizar os procedimentos. Muitos pacientes solicitavam um tratamento fora de domicílio (TDF), o que implica, muitas vezes, em custos de deslocamento e também riscos relacionados à recuperação.

“Percebemos a demanda inicialmente por meio da telemedicina, que foi quando detectamos essas pessoas, principalmente intersexo, em condições adversas”, afirma a mastologista e chefe da divisão médica do HUGV/Ebserh, Conceição Crozara. “Eu não sabia que existiam tantas pessoas carecendo dessas cirurgias, e ninguém sabia, porque é uma lista invisível”, diz ela, se referindo ao histórico de violência e de vulnerabilidade da população LGBTQIA+ na região.

Os pacientes atendidos já eram usuários do Ambulatório de Diversidade Sexual e de Gêneros da Policlínica Codajás, onde recebiam um atendimento multiprofissional, com ginecologista, mastologista, urologista, psicológos, psiquiatras e fonoaudiólogos, dentre outros. “O último levantamento já contava com mais de 900 pacientes trans e intersexo em acompanhamento”, afirma a médica. Passados cinco meses, o índice de satisfação foi muito elevado, conta.

Além da realização das cirurgias, foram ofertadas palestras e cursos de capacitação para os profissionais na região, com o objetivo de deixar, assim, um legado para o futuro, explica Ubirajara Barroso Jr., urologista e professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e um dos médicos convidados a participar do evento.

“Existe uma demanda muito maior do que a capacidade dos centros, e isso é em todo o país, mas notamos que se não há nenhum centro credenciado, de fato a fila é enorme. Esse evento foi o primeiro multiprofissional cirúrgico organizado para esse propósito no país”, diz.

O médico ressalta que, por ser uma cirurgia irreversível, existem critérios rigorosos para a inclusão, como ser maior de 18 anos, ter vivência no gênero que se identifica, ter acompanhamento estrito do ponto de vista psicológico e a chamada congruência —para evitar o arrependimento futuro. “O que vimos é uma felicidade das pessoas, como um renascimento. Para um médico, esse é o sentimento passado”, afirma.

A médica também conta como houve uma tentativa de desmoralizar o evento, gerando diversas informações falsas e tentativas de assustar a população sobre o procedimento. “Teve muita resistência, porque é um estado muito conservador, seja por cunho ideológico, seja religioso, e algumas pessoas questionaram que as cirurgias estavam sendo feitas no lugar de outros procedimentos eletivos, e não foi isso, cada paciente tem a sua prioridade. Tivemos que quebrar esse imaginário”, relata.

Para Emy, houve uma tentativa dos órgãos municipais e estaduais de barrarem o acesso à saúde e aos direitos humanos da população LGBTQIA+ na região. “A prefeitura de Manaus não se posicionou em nada em relação a isso, as pessoas buscaram os secretários [de saúde] e eles não ajudaram a custear as cirurgias destes pacientes.”

A Folha solicitou à Prefeitura de Manaus e à Secretaria de Estado de Saúde informações sobre fila de espera para cirurgia de redesignação sexual, bem como qual foi o envolvimento do município e do governo estadual na realização das cirurgias, mas não houve retorno até a publicação desta reportagem.

Isaac Lopes, 22, presidente da Atam (Associação Transmasculina do Amazonas), descobriu-se como homem trans aos 14 anos e sonhava em fazer a mastectomia (remoção das mamas) masculinizadora. Ele vê a oportunidade como uma conquista. “Teve um momento da minha vida que cheguei a duvidar que ia conseguir alcançar essa cirurgia, porque elas são muito caras, as filas [no SUS] são muito longas e os hospitais particulares são inacessíveis.”

A jornada de cirurgias de redesignação sexual pode ampliar o acesso a outros ribeirinhos, indígenas e população trans e intersexo do estado, afirma. “O Amazonas é um estado muito transfóbico. A forma de ampliar o acesso, quando o Estado parece não ter condições, é pelo movimento social, em conjunto com profissionais da área da saúde, para garantir os direitos de toda a população”, diz.

O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde.

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