O cônsul alemão Uwe Herbert Hahn, preso no início da noite de ontem após a morte do marido, disse à polícia que o companheiro teve um surto e caiu.
O belga Walter Henri Maximilien Biot, 52, morreu no apartamento em que o casal vivia em Ipanema, na zona sul do Rio. A polícia trabalha com a possibilidade de um homicídio.
Ao UOL, a Polícia Civil afirmou que a versão apresentada pelo cônsul de que o marido havia passado mal e batido a cabeça após um tropeço está na contramão do que indicam as conclusões do laudo pericial. Laudo do IML (Instituto Médico Legal) apontou que o belga tem mais de 30 lesões espalhadas por várias partes do corpo.
Em termo de declaração à polícia, obtido pela reportagem, o cônsul diz que os dois eram casados há 23 anos e viviam no Brasil há quatro. Segundo ele, Biot nunca trabalhou, mas tinha passaporte diplomático.
Em maio, Hahn disse ter tomado conhecimento de que teria que se mudar para o Haiti em razão do trabalho — ele diz que é obrigado a mudar de país a cada quatro anos em razão de “questões diplomáticas”.
Segundo a versão, o marido teria ficado feliz com a notícia, mas há cerca de um mês, estaria nervoso e angustiado com a organização da mudança e começou a beber de forma excessiva e tomar remédios “de forma desordenada”.
‘Reações irracionais’
O alemão diz que o companheiro passou a ter “reações irracionais”, como dormir demais, acordar durante as madrugadas gritando, tendo pesadelos frequentes, caindo da cama e tropeçando nas mobílias.
O cônsul diz que na madrugada de quinta-feira (4) para sexta-feira (5) o marido teve uma diarreia intensa a ponto de sujar todo imóvel. Por volta das 11h, o belga saiu para passear com o cachorro com as roupas sujas, sem se alimentar, “completamente em desalinho”.
Hahn disse estar trabalhando na sala do apartamento, em home office, quando pediu que o marido tomasse banho e logo em seguida o ouviu gritando palavras desconexas no banheiro e correu para ajudá-lo.
Segundo ele, o companheiro gritava desesperadamente, tremia e estava com os olhos arregalados, “como se estivesse em surto”. O cônsul diz que tentou acalmar o marido, desligou o chuveiro, o secou, o ajudou a se vestir e retornou ao trabalho.
O belga teria indo então ao encontro dele na sala e os dois beberam champanhe. Biot teria se sentido cansado e foi dormir.
‘Começou a gritar e correr’
Por volta das 17h, o alemão contou ter acordado o marido e o convencido a se alimentar e a tomar um suco. Enquanto preparava uma massa na cozinha, o cônsul diz ter retornado a sala, para fumar no sofá.
Segundo ele, de forma repentina, o marido teve um surto, se levantou, começou a gritar e correu apressadamente em direção ao terraço. O cônsul diz acreditar que Biot tenha tropeçado no carpete e caiu com o rosto no chão.
“Que permaneceu caído emitindo gemidos. Que não sabe informar se estava gemendo de dor ou se eram gemidos desconexos”, diz um trecho do termo de declaração
Mensagem para amigo em NY e tapa nas nádegas
O cônsul ainda relatou aos policiais que fotografou o marido caído no chão e enviou a foto para um amigo que mora em Nova York, nos Estados Unidos. Segundo ele, a foto foi em resposta a uma mensagem do amigo, que havia lhe perguntado como Biot estava, e o objetivo era mostrar que ele havia bebido novamente.
Na sequência, Hahn diz que tentou levantar o marido, que ele continuava gemendo e só então constatou que havia uma mancha de sangue próxima à cabeça dele. Ele disse que não sabia precisar se Biot bateu a cabeça no chão ou em alguma mobília da casa.
O alemão diz ter ficado “desesperado” e chegou a dar um tapa nas nádegas do companheiro para tentar reanimá-lo. Em seguida, ele diz ter ido até à portaria do prédio pedir ajuda ao porteiro, que acionou o SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência).
O cônsul afirmou que também ligou para um colega de trabalho solicitando ajuda e que uma mulher realizou manobras de reanimação no marido antes da chegada dos socorristas. Os profissionais do Samu também tentaram reanimar o homem, mas ele já estava morto.
Lesões no corpo
Autoridades investigam as circunstâncias da morte. De acordo com os exames feitos pelo IML, o corpo de Biot tem lesões como equimoses (manchas roxas), escoriações e outros tipos de ferimentos, espalhados por regiões como braços, pernas, tronco e cabeça.
Apenas no rosto, o documento aponta que o belga apresenta quatro ferimentos, um deles no lábio inferior. Na região do tronco, são ao menos seis lesões. Ainda há mais dez ferimentos na região dos braços e das mãos. Os peritos encontraram ferimentos no ânus e mais seis nas pernas. “Houve uma morte com violência”, afirmou a Polícia Civil.
Em entrevista à GloboNews, a delegada Camila Lourenço, da 14ª DP (Leblon) afirmou que Biot teve traumatismo craniano e que as lesões encontradas no corpo não são recentes.
“O laudo aponta diversas equimoses, inclusive na área do tórax, que seria compatível com pisadura. Lesões compatíveis com agressão por instrumento cilíndrico”, disse.
A defesa do cônsul pediu habeas corpus, alegando que a prisão teria sido ilegal porque não houve flagrante e teria havido desrespeito à imunidade diplomática, mas a juíza Maria Izabel Pieranti entendeu que não caberia ao plantão judicial decidir sobre a soltura do investigado e que isso deveria ser feito em audiência de custódia.
A Embaixada e o Consulado-geral da Alemanha informaram que não vão se pronunciar e aguardam o fim das investigações em curso.