Pressionada pelo comando da campanha, a equipe jurídica do presidente Jair Bolsonaro (PL) mudou a estratégia de atuação no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e iniciou uma ofensiva contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A avaliação de estrategistas de Bolsonaro é a de que Lula estava emparedando o presidente e aliados com representações apresentadas no tribunal eleitoral, ao mesmo tempo em que o petista tecia livremente críticas ao mandatário sem uma reação proporcional dos bolsonaristas na corte.
Em uma reunião realizada há cerca de duas semanas, o núcleo da campanha de Bolsonaro decidiu que os advogados deveriam ter uma atuação mais ativa contra as declarações de Lula.
Os primeiros resultados da nova orientação vieram em 5 de agosto, quando o PL apresentou um pacote de sete ações contra o petista por propaganda eleitoral antecipada.
“Entramos com as ações não para afogar o jurídico do PT, mas para dar freio inibitório com práticas de ilegalidades manifestas”, disse à Folha o advogado Tarcísio Vieira de Carvalho, que coordena a equipe jurídica.
Segundo afirmou Carvalho, as representações foram feitas porque Lula vem, em seus discursos, imputando crimes a Bolsonaro, em especial de genocídio e associação com milícia. “Diante desse mau uso da liberdade de expressão, foi necessário recorrer ao Judiciário para recompor”, completou.
Os advogados da campanha têm se reunido duas vezes por semana com os profissionais do marketing para analisar as peças propostas e evitar incoerência, disse ainda o coordenador da equipe jurídica da campanha do presidente.
Nos processos apresentados na semana passada, os advogados de Bolsonaro acusam Lula de propagar “discurso de ódio” por ter chamado o chefe do Executivo de “fascista”, “genocida”, “negacionista” e “desumano”.
Segundo integrantes da campanha, os advogados passarão a atuar de forma proporcional aos ataques do petista. Na visão deles, a equipe jurídica acionava menos do que deveria o TSE, com atuação mais defensiva.
A ideia é que, a partir de agora, a campanha de Bolsonaro seja mais vigilante em relação aos movimentos de Lula e atue com celeridade nos embates jurídicos. Para pessoas próximas do presidente, mesmo que saia derrotado em alguns processos, é importante tomar iniciativa e não ficar na defensiva.
A mudança de estratégia ficou explícita pelas datas dos discursos de Lula que foram alvo das representações de Bolsonaro.
Apesar de ter apresentado as ações no TSE no último dia 5, um dos eventos em que o mandatário acusa o petista de pedir votos de maneira antecipada ocorreu quase um mês antes, em 12 de julho em Brasília.
Na ação, os advogados transcrevem trechos do discurso na capital em que Lula afirma que irá “acabar com a fome outra vez”, que irá “recriar o Ministério da Cultura” e que vai “recuperar e salvar esse país”.
Para a equipe de Bolsonaro, Lula cometeu infração eleitoral de propaganda antecipada, e o teor de suas falas representa “efetivo pedido de votos”, o que é vedado antes do início oficial do período de campanha.
“Tudo feito com encampação da plateia presente e massificação de exposição pública e penetração social derivadas da correspondente cobertura midiática e da concreta e robusta audiência das redes sociais”, afirma na peça, o advogado.
Ex-ministro do TSE, o advogado foi contratado pelo PL no início do ano, como forma de melhorar a interlocução com a corte eleitoral.
De perfil mais conciliador, ele disse em entrevista à Folha em fevereiro que atuará como “vetor para diminuir esses atritos recentemente crescentes entre o Executivo e o Judiciário.”
Ministros do tribunal e do STF (Supremo Tribunal Federal) são os principais alvos do mandatário em seus discursos. Além do mais, Bolsonaro ataca sistematicamente o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas.
Enquanto Bolsonaro desencadeia a ofensiva jurídica, o PT já obteve vitórias no TSE nos enfrentamentos com Bolsonaro e seus apoiadores.
Em 18 de julho, o ministro Alexandre de Moraes mandou o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e os deputados Hélio Lopes (PL-RJ), Carla Zambelli (PL-SP) e Otoni de Paula (MDB-RJ) apagarem publicações que vinculavam o PT à facção criminosa PCC e ao assassinato de Celso Daniel em 2002, então prefeito de Santo André (SP).
A necessidade de atuar de maneira mais ostensiva contra os adversários também ocorre em meio a sinalizações enviadas pelo procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet Branco. Nos bastidores, ele avisou os advogados das campanhas que não irá focar sua atuação na troca de acusações entre candidatos.
Assim, é provável que o TSE só faça uma análise judicial de eventuais ataques entre Bolsonaro e Lula caso os próprios acionem a corte —e não via processo movido pelo Ministério Público.
Inicialmente, a aposta jurídica da campanha do presidente era acionar o mínimo o possível a Justiça Eleitoral.
Segundo relatos, o próprio Bolsonaro desencorajava seus assessores a entrar com ações. Certa vez, aliados propuseram processar Ciro Gomes, presidenciável do PDT. O presidente não quis, por considerar que uma representação daria mais palanque para o pedetista.
De acordo com o último Datafolha, Ciro segue estável com 8% das intenções de voto. Lula e Bolsonaro estão na liderança, com 47% e 29% respectivamente.
O chefe do Executivo dá aval a todas as representações que sua equipe protocola na Justiça. Segundo relatos, o que ele sempre considerou danoso e exigiu reparação jurídica é ser chamado de “genocida” —termo usado por adversários para caracterizar a atuação do mandatário na pandemia da Covid-19.
A equipe de Lula avalia que os advogados de Bolsonaro reagiram à estratégia petista após processos em que o ex-presidente saiu vitorioso, como no caso do PCC.
A estratégia da campanha do PT segue linha semelhante a encampada agora pelo presidente: analisar todas as declarações e ações de Bolsonaro e judicializar sempre que for possível.
Os advogados do petista, por exemplo, não descartam entrar com ações contra a campanha de Bolsonaro pedindo a cassação da chapa. Ainda não há uma decisão sobre o tema, mas uma linha em análise pela equipe de Lula é a possibilidade de questionar Bolsonaro por abuso de poder político no encontro que o presidente teve com embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada.
Na ocasião, Bolsonaro repetiu teorias da conspiração sobre as urnas eletrônicas e fez novos ataques ao sistema eleitoral e a ministros do TSE.