Pedro Virgílio *
Eu sou pastor na mesma igreja há 13 anos e eu nunca participei de campanha política. Mesmo que alguns dos fiéis que frequentam meus cultos reconheçam, em uma outra fala minha, algum indício de um pensamento de esquerda, ao longo desses anos eu nunca assumi isso e sempre fui discreto nas minhas preferências políticas, mesmo em épocas de eleição. Aliás, não me vejo como um pastor de esquerda, mas sou comprometido com o seguimento de Jesus, sou cristão e ponto!
Neste pleito, entretanto, está cada vez mais difícil manter essa postura.
Na eleição anterior, eu e um defensor do atual presidente, talvez o bolsonarista mais radical da cidade onde vivo, que é membro da nossa igreja, tivemos alguns embates, e nessas ocasiões afirmei meu posicionamento político.
Esse tipo de embate nas igrejas evangélicas se dá num contexto de acirramento das disputas de narrativa que borram as fronteiras entre política e religião. Por parte dos evangélicos mais afinados com o governo atual, usam alguns argumentos tipo: aqueles que votam em candidatos de esquerda vão contra a vontade de Deus, são defensores do aborto e da “ideologia de gênero” etc. Do lado dos evangélicos anti-bolsonaristas também. Como alguém que se diz cristão pode abertamente apoiar um torturador? Dentre outros argumentos.
Mas o reconhecimento de tal estado de ânimo nas igrejas não deveria implicar numa descrença na nossa capacidade de superar o clima de medo, confusão e intolerância que paira no ar. Na minha igreja, estamos mais contidos. Eu organizo um grupo de estudo aqui em casa que é frequentado por alguns fiéis, dentre eles, bolsonaristas declarados, que são novos na fé. Quando eles se deram conta dos meus posicionamentos, ficaram espantados. Logo vieram os questionamentos, mas a amizade foi mantida. Num dia, um desses jovens chegou até mim e falou que, lendo o Evangelho, Jesus parecia mesmo ser uma pessoa de esquerda.
Esse rapaz não é exceção, uma boa parte dos membros da minha igreja, que forma uma comunidade de cerca de 150 pessoas, vota em Bolsonaro. O desafio é grande em muitos sentidos. As fake news, por exemplo, difícil combater. O grupo de WhatsApp da igreja normalmente não posta esse tipo de mensagem e quando acontece de postar, eu deleto o conteúdo e se for o caso removo a pessoa do grupo. O mesmo é válido para o proselitismo político. Independentemente do candidato que favoreça, nosso grupo não permite essa prática. No geral, tem sido possível manter o controle, mas não é uma tarefa fácil, e costuma produzir desafetos.
Hoje eu percebo que aqueles que votam no Bolsonaro falam menos comigo. Pessoas que no dia a dia me convidavam para um churrasco em suas casas, hoje estão distantes. De longe vejo elas compartilhando postagens agressivas nas redes sociais contra a esquerda. Mesmo sem eu permitir que se fale de política na igreja, seja a favor do candidato A, seja a favor do candidato B, mesmo eu afirmando que Jesus ama tanto a Lula e os lulistas quanto a Bolsonaro e os bolsonaristas, ainda assim eu percebo que outras perdas virão além das que já ocorreram. O acirramento político entre evangélicos que votarão em Lula e aqueles que votarão em Bolsonaro provável e lamentavelmente pesará na saída de alguns membros da minha e de outras tantas igrejas evangélicas brasileiras.
Ao mesmo tempo, como que para tentar remediar essas perdas, que para um pastor comprometido com a mensagem de Jesus são sempre irremediáveis, ganha corpo o que até pouco tempo era improvável. Timidamente os evangélicos apoiadores de Lula estão se manifestando por meio de seus perfis privados nas mídias sociais.
No domingo da eleição, uma irmã, que anteriormente congregava numa igreja de um pastor televisivo e que hoje congrega conosco, enviou-me uma mensagem no privado: “Pastor, vamos ganhar. Lula vai vencer”. Como afirmei, a minha prática de líder religioso não é compatível com o proselitismo político no templo. Eu não havia abordado o assunto no púlpito, ao contrário do que muitos pastores, orientados sabe-se lá por quais princípios anti-cristãos, vêm fazendo. Neste Observatório se comentou recentemente a respeito do engajamento pró-Bolsonaro das igrejas evangélicas às vésperas do primeiro turno. Mesmo eu adotando essa postura, aquela irmã havia entendido estarmos do mesmo lado. O que me leva a encerrar este texto pontuando algo que precisa ser pontuado, em parte pela vantagem de Bolsonaro sobre Lula no segmento de eleitores evangélicos, mas em parte devido às equivocadas e indevidas generalizações que ainda circulam pela impressa, a despeito do assinalado avanço na abordagem da temática evangélica pelos principais jornais, algo também abordado recentemente em texto publicado neste Observatório: nem todo evangélico das camadas mais pobres está alinhado com Bolsonaro. Se ele tem 60% do eleitorado evangélico, existem 40% que não se dobraram, e a esquerda precisa dialogar com eles.
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*Pedro Virgílio é pastor Batista da Cbb, atuando desde 2005 e na Igreja Batista Nova Aliança em Serrinha-Ba desde 2009. Bacharel em Teologia e Pós-graduado em Ciências da Religião e Psicopedagogia. Atua também com uma instituição de Reabilitação de adictos.
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