A única certeza com que o homem conta numa vida longa ou curta demais, feliz ou desditosa, é que a morte ou o observa, com fúria ou serena, em toda curva da estrada. Ninguém resiste incólume aos solavancos do existir, bem como nunca vai se estar livre dos transtornos que a indesejada das gentes lança sobre a cabeça de cada um, e a reação aos seus desmandos é, muitas vezes, imprevisível, morosa e, sobretudo, doída. Em “E Depois?”, um homem empenhado em superar uma grande perda, mas paralisado pela dor, atravessa Londres como o espectro de si mesmo, até que enxerga uma razão para virar a página. Com trabalhos mundialmente reconhecidos pela sensibilidade e ativismo social, o fotógrafo Misan Harriman se arrisca numa estreia promissora, com um enredo que se resolve em impressionantes dezoito minutos, vencedor do prêmio de Melhor Curta de Ação ao Vivo no HollyShorts Film Festival e já orbitando na lista dos favoritos ao Oscar de Melhor Curta-Metragem. Harriman leva para a tela percepções bastante sutis do mundo particular desse homem, negro, mas que poderia ter na pele qualquer outra cor, incapaz de lidar com o trauma que o consome. Até que a esperança cai do azul.
Faz bom tempo na cidade, e Dayo e Laura dão um passeio sem compromisso, deixando-se absorver pelo típico charme londrino. Eles descem uma escada, parecem ensaiar um número de dança, se divertem genuinamente, como só um pai e uma filha conseguem, ele sem qualquer receio de demonstrar seu afeto e sua delicadeza. Junto com o corroteirista John Julius Schwabach, Harriman corta a leveza da cena mencionando quase sem que se perceba a premonição tétrica de Dayo, que o supino talento de David Oyelowo torna ainda mais enigmática, e um segundo depois ele já avisa à garota que vai comparecer a uma apresentação que ela fará na escola. Mais intuitiva, porém igualmente marcante, a atuação de Amelie Dokubo disfarça a tragédia que se sucede no quadro seguinte, quando também desponta na história Amanda, a mãe e esposa vivida por Jessica Plummer. Cogita-se um ataque motivado por razões de intolerância racial, mas não se pode afirmá-lo com toda a certeza necessária — nem o diretor quer enveredar por esse lado. Dayo pula em cima do agressor, que é arrastado por outros dois homens, e então resta sozinho, congelado em seu luto, perdendo tudo, alegria, saúde, carreira, pelos anos seguintes.
Do segundo ato em diante, Oyelowo conduz seu personagem por uma jornada de autoconhecimento trabalhando como motorista, ouvindo uma angústia abafada os relatos de seus passageiros em momentos especialmente espinhosos (sem nunca tomar parte, claro) e fugindo dos encontros agendado pelo serviço de assistência social. Sabiamente, porque no carro é que está mesmo sua cura, como mostra a última cena, metáfora plena de lirismo que Harriman elabora a fim de sugerir que seu herói venceu-se a si mesmo. Esperou muito, mas ganhou da vida o que sempre mereceu.
Filme: E Depois?
Direção: Misan Harriman
Ano: 2023
Gêneros: Drama
Nota: 8/10