Se está difícil para você, imagina para Laura? Ela não tem nem um ano e já passa por uma onda de calor que deixou 57% da população brasileira sob alerta máximo. O recado emitido pelo Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), válido até sexta (17), é particularmente sensível para grupos de risco, e a filha de 7 meses da psicóloga Camila Anezi Oliveira, 36, e do psiquiatra Pedro Ferreira, 37, se inclui aí.
Crianças sofrem ainda mais com os termômetros elevados, sobretudo as menores de 1 ano. Isso se deve, segundo Agnes Soares, diretora do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e do Trabalhador, do Ministério da Saúde, a um combo de fatores fisiológicos.
O mecanismo de regulação térmica dos bebês ainda não amadureceu. Eles não têm a mesma capacidade dos mais velhos de suar para resfriar o corpo —no inverno, em contrapartida, nosso corpo treme justamente para aquecer a musculatura.
O metabolismo infantil também é mais acelerado nessa etapa, para acompanhar o crescimento, e o coração dos mais pequenos bomba sangue mais rápido, podendo atingir até 140 batimentos por minuto, o dobro de um adulto não sedentário, o que exige mais do corpo.
Por isso, insolação e desidratação são ainda mais arriscadas para os menores.
“Eu acrescentaria que a criança dessa faixa é totalmente dependente do cuidador”, diz Soares. Ela não sabe falar e não pode comunicar se está muito agasalhada ou tem sede, por exemplo. Seus responsáveis controlam o tipo de roupa que veste e a oferta de líquido.
Para os bebês em amamentação exclusiva, orientação até os 6 meses de idade, o ideal seria aumentar as mamadas —para não faltar leite, a mãe deve caprichar na ingestão de líquidos.
O pediatra e sanitarista Daniel Becker ressalta que o bebê não sabe perder calor, daí a necessidade de redobrar o zelo nesse período. “Ele precisa ser refrescado o tempo todo.”
Todo cuidado é pouco com carrinhos de bebê, que aquecem muito, e com o carro da família. A morte de um menino de 2 anos esquecido na van escolar é um desfecho trágico fora da curva, mas crianças passarem mais de uma hora no interior de veículos sem ar-condicionado é relativamente comum e pode ter complicações para a saúde delas.
Quanto mais ventilado o ambiente, melhor. E quando isso não for possível?
O apartamento onde Laura mora em São Paulo não tem área aberta, então o jeito é tomar ao menos três banhos por dia, conta sua mãe. Antes, era só um, que antecedia a hora de dormir.
Ajuda, mas não resolve. “Ela fica mais irritadinha, aquela irritação de ‘nada está bom’. Fica com o corpinho quente, mais vermelhinha e suada. Às vezes reclama quando estamos muito encostados nela, se está no colo se joga para trás para ir paro chão”, diz Camila.
Laura também tem pedido para mamar mais e dado preferência a comidas mais geladinhas, como melancia, manga e tomate saídas da geladeira. Um hit caseiro é o “tetolé”, picolé feito com leite materno congelado. O uso do microondas despencou. “Arroz, feijão etc a gente não tem servido quente.”
O sono também não é mais o mesmo. “Ela está acordando mais durante a noite, e mais cedo.”
Para remediar, os pais a deixam só de fralda boa parte do dia, e o único ventilador da casa está sempre onde Laura está. Idas à pracinha, só depois do pôr do sol. Não é incomum ver crianças brincando em parques à noite. Em cidades praianas, banhos noturnos de mar viraram uma alternativa pop.
Quisera a autônoma Emily Campos, 29, ter uma praia por perto. A moradora de Bragança Paulista leva há cinco meses seu segundo filho, desta vez uma menina, a Helena.
Ela conta que a gravidez “já vem sendo um pouco mais difícil desde o começo”. Teve um já superado descolamento ovular, que gera acúmulo de sangue entre óvulo e placenta e, em alguns casos, pode provocar aborto. “Mas acho que o pior de tudo tem sido o calor. Muito inchaço, dores nas juntas e mal-estar, que traz os enjoos e as dificuldades para trabalhar em casa e dormir.”
O ventilador não dá conta. Um balde de água fria vem a calhar: toma ao menos três banhos diários, “isso quando não uso uma toalha molhada no corpo para conseguir levar o dia mais tranquila”.
Grávidas são outra parcela mais frágil no calor extremo que veio na garupa das mudanças climáticas. “As gestantes são mulheres jovens, mas que, por todas as questões hormonais e de imunodepressão, estão numa fase mais vulnerável”, explica a ginecologista Carolina Scalissi, médica do Centro Obstétrico da Santa Casa de Misericórdia e especializada em gestações de alto risco.
Essas mulheres têm seu sistema cardiovascular alterado, com aumento da volemia. Na prática, há mais sangue circulando no corpo, para nutrir o feto que carrega. Tantos dias quentes seguidos, segundo Scalissi, as deixam ainda mais suscetíveis a pressão baixa e subida da frequência cardíaca.
E olha que a gestante já sente naturalmente mais calor do que a média, seja pela maior quantidade de sangue no corpo, seja pela bomba hormonal da gravidez.
O que fazer
Algumas das recomendações dadas pelo Ministério da Saúde para se proteger das temperaturas elevadas não valem para bebês e grávidas, como evitar bebidas alcoólicas, algo já descartado da dieta.
Outras são mais conhecidas, mas vale sempre ressaltar a importância delas. É indispensável aumentar o consumo de água e suco de fruta naturais (se a criança tiver mais de 1 ano), mesmo sem ter sede.
Evitar se expor ao sol, sobretudo das 10h às 16h, e usar filtro solar adequado para a idade também são boas dicas. Para os pequenos, um chapéu com abas ajuda a não esquentar o cocuruto.
Há mais sugestões que podem fazer diferença, como umedecer ambientes com umidificadores de ar, toalhas molhadas ou baldes de água, fechar cortinas e janelas mais expostas ao sol, abrir janelas à noite, colocar menos roupas para bebês dormirem e, no ápice do calor, tomar banho com água ligeiramente morna, para não forçar mudanças bruscas de temperatura.
Água ainda é a melhor pedida, mas também são oportunas variações como água de coco e suco de limão. Agnes Soares, da pasta da Saúde, lembra que bebidas açucaradas, como refrigerantes e sucos de caixa, não contam. O açúcar sobrecarrega o sistema e pode atrapalhar a hidratação.
Soares diz que, embora o ministério para o qual trabalha não meça as mortes causadas pelo excesso de calor, vários estudos evidenciam o aumento de internações e mortalidade durante calores severos.
A autônoma Emily só quer que tudo passe logo. Por causa de problemas prévios de saúde da mãe, Helena, inicialmente esperada para março, pode nascer prematura. No auge do verão.
“Que o clima colabore, porque só de imaginar um repouso absoluto num tempo desses já bate um desespero”, diz. “Sabia que pegaria o calor todo, mas não imaginei que já estaria assim insuportável na primavera. Saudades de um friozinho.”
Ela inclusive conta que fez o inimaginável: trabalhar no feriado porque quis. “Hoje vim fazer um extra em um bazar, trabalhar fora de casa só para estar no ar condicionado.”