A empresa Compass Pathways, sediada no Reino Unido, iniciou naquele país o braço europeu de seu ensaio clínico para comprovar eficácia antidepressiva do composto psilocibina, presente nos cogumelos ditos “mágicos”, do gênero Psilocybe. O panorama no mercado psicodélico, porém, não é dos mais animadores.
O estudo de fase 3 tem por alvo a depressão resistente a tratamento, ou seja, quando a pessoa com o transtorno ficou sem resposta favorável após se tratar com pelo menos dois medicamentos antidepressivos. Parte dos voluntários serão atendidos no Centro de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental, em Londres, que a companhia lançou em parceria com o King’s College.
A pesquisa vem na esteira do teste de fase 2 da mesma Compass, maior ensaio aleatorizado controlado já publicado, há um ano, com 233 pacientes. Usaram-se então duas doses (25 mg e 10 mg), comparadas com uma quantidade inócua (1 mg), mas só a primeira se mostrou capaz de reduzir de modo estatisticamente significativo escores de depressão nos questionários padronizados.
Outros ensaios clínicos com psilocibina para depressão estão em andamento. Embora positivos, os resultados não são tão deslumbrantes quanto o entusiasmo inicial parecia indicar. Efeitos adversos, incluindo ideações suicidas, ainda que raramente, tiraram um pouco do brilho da promissora psicoterapia assistida por psicodélicos (PAP).
Um artigo recente, por exemplo, reanalisou respostas de mais de 800 participantes em três levantamentos online e concluiu que 16% deles tiveram alguma piora na saúde mental após uso de psicodélicos. Mais ainda: esse contingente subiu a quase um terço (31%) no caso de pessoas com histórico de transtornos como depressão.
Outra má notícia, em especial para a psilocibina, foi o incidente com o piloto chapado da Alaska Airlines, que poderia ter resultado em tragédia aérea. Além disso, na Califórnia, onde havia a expectativa de se adotar legislação para descriminalizar psicodélicos, como no Oregon e no Colorado, a lei terminou vetada pelo governador.
Bem antes disso, desde 2021, vinha já arrefecendo a excitação de investidores com a pesquisa psicodélica. A Bloomberg, que está desativando o blog Dose sobre esse assunto, volta a bater na tecla com uma nota desalentadora de Tiffany Kary.
O gráfico que acompanha sua nota dá bem a medida de quanto a bolha murchou. Enquanto o índice de ações S&P500 caía 5,5% no período de dezembro de 2021 a novembro de 2023, papéis psicodélicos retrocederam 71,9%, desempenho pior até que o das criptomoedas (-41,2%).
Isso não quer dizer que a PAP caminha para o abismo. O cenário deve se alterar, favoravelmente, se e quando a FDA (agência norte-americana de fármacos) autorizar MDMA (ecstasy) para tratamento de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), o que pode acontecer em 2024 ou 2025.
Agora, se a FDA der para trás, ou criar muitos obstáculos, a coisa pode se complicar bastante. Um recuo adicional do financiamento privado, até aqui o esteio da pesquisa com psicodélicos sob bloqueio proibicionista, dificultaria ainda mais a conclusão de testes clínicos de grande porte, como o da Compass.
Em paralelo, porém, cresce a pressão política e social pelo acesso a terapias psicodélicas, em especial MDMA e psilocibina. Iniciativas populares nos EUA, assim como legislativos estaduais, multiplicam projetos de leis descriminalizadoras. Até o Congresso norte-americano tem realizado debates sobre essas substâncias, sob pressão de veteranos de guerra interessados em curar-se de TEPT.
Os próximos dois anos serão decisivos para o renascimento da ciência psicodélica.
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AVISO AOS NAVEGANTES – Psicodélicos ainda são terapias experimentais e, certamente, não constituem panaceia para todos os transtornos psíquicos, nem devem ser objeto de automedicação. Fale com seu terapeuta ou médico antes de se aventurar na área.
Sobre a tendência de legalização do uso terapêutico e adulto de psicodélicos nos EUA, veja a reportagem “Cogumelos Livres” na edição de dezembro de 2022 na revista Piauí.
Para saber mais sobre a história e novos desenvolvimentos da ciência nessa área, inclusive no Brasil, procure meu livro “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira”.
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