Psicodélicos: ayahuasca alternativa para depressão – 30/11/2023 – Virada Psicodélica – Zonatti Apps

Psicodélicos: ayahuasca alternativa para depressão – 30/11/2023 – Virada Psicodélica

Se depender da imaginação de pesquisadores suíços, um dia o tratamento da depressão poderá ser feito com um tablete de harmina debaixo da língua e seguidas borrifadas no nariz de dimetiltriptamina (DMT), substância psicodélica. Tais compostos psicoativos, combinados, produzem a alteração da consciência que adeptos da ayahuasca chamam de “força”.

Cinco anos atrás, estudo pioneiro do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ICe-UFRN) já havia mostrado o benefício antidepressivo rápido e sustentado do chá também chamado de daime. A longa duração (4-6h) da viagem e os efeitos adversos mais comuns (vômito, diarreia), porém, como que inviabilizam seu uso em contexto clínico.

Buscando uma padronização mais palatável para a medicina, a equipe das universidades de Zurique e da Basileia comparou duas formas de administração de DMT e harmina em dez voluntários. Uma, a ingestão de cápsula contendo as duas substâncias purificadas. Outra, tablete sublingual com spray nasal.

Os sintomas gastro-intestinais praticamente desapareceram, reduzindo-se a desconforto leve no caso das cápsulas via oral. No artigo publicado no periódico Frontiers of Pharmacology, o grupo liderado por Milan Scheidegger afirma que os desarranjos experimentados com o daime parecem vir da mistura de vários alcaloides no chá preparado com as plantas chacrona e cipó-mariri, ou jagube.

Os autores relatam sua surpresa com uma enorme variabilidade entre participantes na absorção dos compostos. O pico de concentração da DMT no sangue, por exemplo, variou 6,8 vezes entre indivíduos; o de harmina, 55,5 vezes. Neste segundo caso, o tempo para chegar ao ápice de concentração variou de 60 a 270 minutos.

Tudo indica que a via oral implica maneiras muito diferentes, nas pessoas, de metabolizar essas substâncias. Pode estar em jogo a diversidade genética entre elas, por exemplo sua capacidade de produzir enzimas, como a monoamina-oxidase, que degradam a DMT no trato gastro-intestinal.

Os suíços argumentam que tanta variação levanta dúvidas sobre a possibilidade de que a ingestão de análogos da ayahuasca satisfaça os padrões necessários para regulamentação de um tratamento. Seria difícil, se não impossível, estabelecer doses recomendáveis para todos os pacientes.

Já a via bucal/nasal, de seu lado, ocasionou variação bem mais restrita: 2,3 vezes, no pico de DMT, e 3,2 vezes, no de harmina. Além disso, sucessivas borrifadas de 5 mg no nariz permitiriam controlar melhor a quantidade suficiente para lançar cada indivíduo no estado psicodélico desejado, de acordo com seu perfil bioquímico.

“A administração bucal/intranasal combinada de harmina e DMT é uma abordagem inovadora que pode pavimentar o caminho em direção a uma prescrição de DMT/harmina segura, de ação rápida e orientada ao paciente para tratamento de transtornos afetivos”, conclui o estudo.

Dissociar a força psicodélica da ayahuasca de efeitos adversos pode, de fato, tornar mais aceitáveis para a prática clínica os compostos psicoativos que ela provou serem eficazes. Em religiões ayahuasqueiras como Santo Daime, UDV e Barquinha, contudo, as “purgas” são consideradas indissociáveis da cura dos males da alma –para não falar de rituais, cânticos e movimentos que tornam essas cerimônias únicas, especiais.

Por falar em religião e espiritualidade, um grupo brasileiro acaba de publicar artigo sobre o tema envolvendo psiconautas (usuários frequentes ou esporádicos de psicodélicos) e não psiconautas. Saiu no Journal of Psychoactive Drugs, tendo como primeira autora Ana Cláudia Mesquita Garcia, da Universidade Federal de Alfenas, em colaboração com pesquisadores da Unicamp, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e do ICe-UFRN.

Participaram 517 pessoas, que responderam por computador o questionário padronizado SWBS (da sigla em inglês de Escala de Bem-Estar Espiritual). São 20 afirmações com que o participante pode concordar ou discordar marcando sua avaliação numa escala de seis graus de intensidade, metade delas sobre relacionamento com Deus e outro tanto de teor espiritual mais genérico.

O uso de psicodélicos, inclusive em testes clínicos para tratamento de transtornos mentais, tem sido associado com experiências místicas, com alguma controvérsia. Há quem considere problemático o vínculo entre terapias psicodélicas e elementos religiosos.

Curiosamente, o estudo brasileiro detectou maior bem-estar espiritual entre pessoas que professam ou praticam alguma religião, quando comparados com psiconautas. Entre estes, os escores só se mostram elevados nas respostas daqueles que fazem uso mais frequente de substâncias alteradoras da consciência.

Os próprios autores chamam a atenção para o fato de que a maioria dos participantes (55%) eram usuários, vários deles assíduos (33,5%), em número comparável ao daqueles que nunca usam (34%). Segundo o Datafolha, só 10% dos adultos brasileiros admitem ter usado psicodélicos.

Fica evidente, assim, que a amostra contém vieses que impedem extrapolar o resultado para a população nacional, alerta o artigo. Não era esse, de resto, o propósito do estudo, que tencionava validar a escala SWBS para emprego no Brasil.

———–

AVISO AOS NAVEGANTES – Psicodélicos ainda são terapias experimentais e, certamente, não constituem panaceia para todos os transtornos psíquicos, nem devem ser objeto de automedicação. Fale com seu terapeuta ou médico antes de se aventurar na área.

Sobre a tendência de legalização do uso terapêutico e adulto de psicodélicos nos EUA, veja a reportagem “Cogumelos Livres” na edição de dezembro de 2022 na revista Piauí.

Para saber mais sobre a história e novos desenvolvimentos da ciência nessa área, inclusive no Brasil, procure meu livro “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira”.

Deixe um comentário