Alguns países como Estados Unidos, Coreia do Sul, Holanda, Dinamarca e Irlanda já relataram casos da pneumonia causada pela bactéria Mycoplasma pneumoniae. O surto respiratório começou na China.
As informações constam em publicações do Cidrap (Centro de Pesquisa e Política de Doenças Infecciosas) da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, e do ProMED (Program for Monitoring Emerging Diseases, ou Programa para Monitoramento de Doenças Emergentes).
A OMS (Organização Mundial de Saúde) monitora os dados de vigilância da China e de outros países onde a bactéria foi detectada.
Especialistas acreditam que a Mycoplasma pneumoniae deve provocar casos da pneumonia no Brasil, mas não há motivos para preocupação. Primeiro, porque a bactéria não é novidade no país. Além disso, é tratável com antibiótico.
Dois fatos são atribuídos ao aumento de casos da pneumonia pediátrica: o inverno no Hemisfério Norte provoca alta nas infecções respiratórias. O outro diz respeito ao isolamento imposto pela pandemia da Covid. As crianças não tiveram contato com vírus e bactérias, e não criaram imunidade contra eles.
Para Evaldo Stanislau de Araújo, infectologista do Hospital das Clínicas de São Paulo, a princípio são infecções corriqueiras e sazonais, mas merecem a atenção dos órgãos de saúde.
“Não é uma situação tão alarmante. A própria OMS fez comunicações nesse sentido. Por enquanto, é uma situação que tem que ser observada. O Hemisfério Norte está em temporada de inverno agora. Então, não creio que esse seja um problema de saúde pública de primeira grandeza até o momento, pelo menos. Ainda é cedo para afirmar se chegaria aqui e viria de uma forma mais grave, mas é preciso ter atenção.
“As medidas de isolamento funcionaram para reduzir a transmissão do coronavírus e de qualquer outro agente infeccioso, viral ou bacteriano transmitido pelo ar”, explica o infectologista da Fundação Oswaldo Cruz e professor da UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul), Julio Croda.
“Se você tem um grande número de pessoas que nunca pegou a doença e há a circulação importante de um vírus ou uma bactéria, você vai ter maior número de casos e hospitalizações, mas não necessariamente a pessoa é mais suscetível ou a bactéria é mais grave”, diz Croda.
É importante que o país monitore o patógeno, o que não é feito por aqui. Também não existe a obrigatoriedade da notificação de casos.
“O problema é que não temos vigilância para a Mycoplasma pneumoniae. O dado que pode ter eventualmente é dos laboratórios privados que testam. No público, é a vigilância do Sivep-Gripe [Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe]. São testados apenas vírus respiratórios e não bactérias. No Sivep-Gripe há notificações de síndrome respiratória aguda grave indeterminada, que não sabemos o que é”, afirma Croda.
De acordo com o presidente do departamento de infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria e professor de pediatria e infectologia da Santa Casa de São Paulo, Marco Aurélio Sáfadi, os dados chineses não são muito claros, mas sugerem que o Brasil já passou pela situação vivenciada na China. O médico integra um grupo que investiga mycoplasma no mundo.
Com a implementação das medidas de contingenciamento da Covid —uso de máscara, fechamento da escola, restrição de movimentação, lockdown, em 2020 e 2021, houve um declínio das infecções que dependiam de transmissão respiratória. Com o fim das medidas, os vírus respiratórios voltaram e com eles reapareceram as doenças bacterianas que acompanham as infecções virais. É o caso das pneumonias e das meningites, por exemplo.
“Particularmente para alguns patógenos como pneumococo, o próprio Streptococcus A a gente viu que havia uma dependência dessas bactérias com a presença dos vírus, ou seja, assim que os vírus retornaram, em particular o vírus sincicial respiratório, essas outras infecções bacterianas também voltaram em crianças, mostrando uma dependência que essas bactérias tinham de você ter o vírus para que elas provocassem as infecções”, diz Sáfadi.
“A Mycoplasma pneumoniae se encaixa nesse cenário, porque claramente houve uma diminuição que nunca foi percebida. E agora, vamos dizer, está retornando. Nesses países que detectaram retorno, é importante dizer que os índices não são tão diferentes dos que tínhamos na pré-pandemia. A incidência não é tão diferente assim”, reforça Sáfadi.
A bactéria nunca deixou de circular, em nenhum lugar do mundo, apenas diminuiu as taxas de incidência. “Nós vamos observá-la por aqui, mas não enxergo motivo para pânico. É um cenário que não vai ser muito diferente daquele que tínhamos anos atrás em relação à myicoplasma. Sabemos lidar com a infecção. Nós temos um arsenal tanto de diagnóstico e de terapêutica adequados para combater os quadros clínicos associados a essa bactéria”, finaliza Marco Aurélio Sáfad.
As crianças acima de cinco anos, adolescentes e adultos jovens são as principais vítimas da bactéria. Os sintomas do quadro provocado pela Mycoplasma pneumoniae são semelhantes aos de uma gripe: coriza, febre, dor de garganta, além de tosse seca. A transmissão se dá pelas vias aéreas, através de gotículas no ar ao falar, espirrar ou tossir, mas ela depende de um contato próximo e por mais tempo em lugares fechados, em relação aos outros vírus e algumas bactérias. Os casos graves são raros.
“Ela tem um curso meio insidioso, ela é meio arrastada, demora um pouco para muitas vezes ter as suas manifestações clínicas, explica Sáfadi.
As epidemias causadas por essa bactéria são cíclicas e ocorrem a cada três anos, em média.