Dirigido por Mikel Cee Karlsson e protagonizado por José González, o documentário ‘A Tiger in Paradise’ já está disponível na MUBI
Depois do documentário The Extraordinary Ordinary Life of José González (2010), Mikel Cee Karlsson voltou a retratar José González de forma minuciosa e íntima em A Tiger in Paradise, disponível na MUBI desde sexta-feira, 8.
A união beneficiou os dois: “Acho que, de alguma forma, usamos um ao outro. Para mim, posso fazer filmes com temas que eu gosto, com José protagonizando. Ele pode falar do que o interessa e que pode não ser tão óbvio com sua música”, disse Karlsson em coletiva de imprensa com a Rolling Stone Brasil.
A Tiger in Paradise acompanha González, conhecido pela banda Junip, trabalhando no quarto álbum de estúdio solo, enquanto reflete sobre os truques da própria mente. O músico viveu episódios psicóticos que não quer experimentar novamente e, por isso, adotou uma rotina rígida em relação a exercícios físicos e alimentação.
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“Foi uma forma terapêutica de lidar com meu passado, mas também uma oportunidade de dar mais profundidade a tudo o que estou tentando fazer”, disse o artista sobre o processo de criação do longa-metragem.
No início do documentário, José relata: “Há alguns anos, tive meu terceiro, e espero que último, episódio psicótico. Um estado mental em que não consigo separar a fantasia da realidade. Onde vejo intenções que não existem e idealizo coisas que não fazem sentido. Pensamentos conspiratórios”.
Um tigre no paraíso
O título do filme é baseado nas crenças de testemunhas de Jeová. “Eles têm essa fantasia de que, após a morte, haverá essa utopia perfeita, onde tudo é ótimo, não há perigo, o clima é sempre bom, todos são amigos e tigres são amigáveis”, explicou González.
“Mas o que acontece se você coloca essa fantasia na realidade?” Mikel partiu desse questionamento para criar uma das cenas mais marcantes de A Tiger in Paradise. As imagens do longa são penetradas pelos pensamentos de José e, vez ou outra, Karlsson toma liberdade para retratar as ideias do amigo com efeitos especiais. Ao representar o paraíso, porém, o diretor se sentiu à vontade para mostrar um tigre feroz, que escolhe jantar a perna de um dos personagens.
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O mundo imaginado por González é justamente um lugar onde as catástrofes são iminentes. Sendo um bioquímico, ele também pensa muito nas formas como os seres humanos podem ser varridos da Terra, como por meio do inverno nuclear ou de uma pandemia sintética. A problemática é o tema central de “Visions” e rejeita o conformismo religioso.
Acho que precisamos tentar identificar maneiras de eliminar os tigres ou de fazer com que eles não tenham tanta fome, para não comerem nossas pernas, num sentido metafórico. E, para fazer isso, temos que desmontar ideologias, porque muitas vezes elas vêm como um pacote e as pessoas pensam que esse pacote precisa ser de uma certa forma. Minha opinião é que você sempre pode desconstruir o pacote e ver quais partes são importantes, desnecessárias, boas, ruins, neutras… O paraíso sem o tigre está bom para mim.
O que há de tão ruim na Suécia?
Nascido na Suécia, José González é filho de imigrantes argentinos. O relatório anual do Índice de Desenvolvimento Humano publicado neste ano, referente a 2022, mostra que a Suécia está entre os países com o mais alto nível de desenvolvimento.
Assim como Pelle Almqvist defendeu em entrevista à Rolling Stone Brasil, no entanto, a qualidade de vida dos suecos não é capaz de drenar certos sentimentos. Sonoramente tão distante do The Hives, González lida constantemente com a angústia relativa ao futuro.
Se você perguntar a um sueco aleatório se ele acha que vive no melhor lugar do planeta, ele vai dizer que não e apontar inúmeros problemas. Somos caçadores de problemas natos. – José González
Além disso, as religiões podem configurar um desafio. Não à toa, países como a Noruega e a Suécia compõem o berço do black metal, gênero musical que abrange composições críticas ao cristianismo, por exemplo.
Acho que é uma pergunta interessante, especialmente quando você começa, como nós, provavelmente a falar sobre religiões como uma forma problemática, ou ideologias. Acho que há maneiras de pensar que são obviamente mais importantes quando você vive em extrema pobreza. É como se precisasse acreditar em um poder superior para sobreviver um dia. E se você mora na Noruega, com suas belas paisagens, talvez não precise delas, porque tem água, tem comida, tem muitas outras coisas. É uma pergunta interessante. Mas penso que também é óbvio que as pessoas que atingem um certo nível de prosperidade podem, de qualquer forma, sentir-se sozinhas no universo. Então, acho que temos uma humanidade comum, independente de onde moramos. E acho que essa é uma lição mais valiosa do que tentar comparar países. – José González
Mikel ainda destacou que há muitos problemas de saúde mental na Suécia, como quem diz que o dinheiro não compra a felicidade. Pode ser difícil de imaginar quando se vive em um país tão desigual como o Brasil, mas ainda existem obstáculos que não estão ligados ao dinheiro. Encontrar o sentido da própria vida e sobreviver dia após dia, podem ser alguns deles, como constatou o cineasta.
Acho que as pessoas estão tentando encontrar um significado para suas vidas. Então, acho que prosperidade é uma coisa, mas há muitas camadas em ser um ser humano. É muito difícil comparar. De certa forma, se você tem algo como um objetivo que é mais do que tentar sobreviver todos os dias, esse é um tipo de problema. Mas se esse problema estiver resolvido, você terá outros problemas que enfrentará. Então acho que também está relacionado com o que temos falado, as visões utópicas. É realmente difícil encontrar essa visão utópica. Se existir uma utopia, temo que provavelmente encontraremos novos problemas. – Mikel Cee Karlsson