Rita de Cássia Ferraz, 46, descobriu por acaso que tinha doença pulmonar obstrutiva crônica (conhecida pela sigla DPOC) ao ser admitida em um pronto-socorro após uma crise respiratória que ela suspeitava ser sequelas de tuberculose.
A verdade é que a vigilante já tinha tido o diagnóstico para a infecção pela bactéria Mycobacterium tuberculosis, mas como abandonou o tratamento, imaginou que estava passando por um novo quadro respiratório associado à doença. Foi quando através de um exame de tomografia do pulmão descobriu que havia perdido parte do tecido pulmonar devido à doença crônica, e não infecciosa.
Por causa do dano, ela precisou fazer uma pneumectomia, que é a retirada de um dos pulmões —no caso, o direito. “Na primeira hora depois da cirurgia, eu só chorava de desespero. Mas depois fui me recuperando em casa e fazendo fisioterapia e reabilitação respiratória, e fui melhorando”, explica.
Ferraz é uma das 6 milhões de pessoas no país que vivem com DPOC, uma incidência em torno de 2% a 3% da população acima de 40 anos. Apesar disso, cerca de 12% apenas têm o diagnóstico —o restante vive sem saber que já tem um comprometimento do tecido pulmonar.
A DPOC se diferencia de outras doenças pulmonares por ser crônica e por ser caracterizada pela obstrução das vias aéreas devido à perda do tecido pulmonar. “Imagina que nós temos os canos ou ramos da árvore, que seriam os brônquios, e aí você tem as folhas, que são os alvéolos, onde é feita a troca gasosa. Na DPOC, os ‘canos’ ficam mais finos, obstruindo a passagem do ar. Por isso ela é chamada de obstrutiva. E crônica porque os sintomas vão continuar pelo resto da vida”, explica André Nathan Costa, pneumologista do Núcleo de Doenças Pulmonares e Torácicas do Hospital Sírio-Libanês.
De acordo com o médico, há dois polos ou manifestações da DPOC: a bronquite crônica, caracterizada pela obstrução por espessamento das vias aéreas, provocando bastante secreção, e o enfisema pulmonar, que é a destruição do tecido (parênquima) pulmonar.
O diagnóstico é dado por histórico clínico —no caso, ser fumante é a principal causa—, aliado a exames simples, como a espirometria (também conhecida como prova da função pulmonar), onde se mede a capacidade volumétrica do pulmão, e pode ser complementada com exames de imagem. “A espirometria é um exame simples, barato e disponível. Você assopra em um tubo para medir a capacidade do pulmão. Imagina como se fosse uma bexiga, você tem o ar que entra e enche a bexiga, e depois quando o ar sai você consegue, por esse volume, medir a capacidade da bexiga. É a mesma coisa com o pulmão”, disse.
Mas mesmo sendo um exame simples, a taxa de pessoas que vivem com DPOC e não sabem ainda é muito elevada, avalia Alberto Cukier, coordenador do grupo de tratamento de Doenças Pulmonares Obstrutivas Crônicas do Incor (Instituto do Coração), da USP.
A doença também aparece após os 40 anos, o que agrava a condição uma vez que o tempo de exposição ao fator ambiental —como o cigarro, mas também pode ser pela inalação de fumaça por fogão a lenha e outros usos domésticos que geram poluentes— pode agravar o quadro.
“Por definição, quando alguém tem DPOC há uma limitação do fluxo de ar que a pessoa consegue inalar, ela enche o peito e quando vai soltar aquele fluxo de ar vai mais lento seja porque os brônquios foram comprometidos no decorrer dos anos, seja porque os alvéolos foram destruídos”, afirma Cukier.
Segundo Costa, quanto mais tempo você fuma, mais dano vai causar no paciente com DPOC, e parar de fumar pode ajudar a estabilizar a doença, mas não fazê-la desaparecer. “Não tem cura, o que tem é tratamento, tanto com broncodilatadores [que diminuem a obstrução dos vasos], quanto removendo aquele fator ambiental, no caso o cigarro, ou a exposição a outras fumaças. Em casos mais graves, o paciente pode precisar também de transplante de pulmão.”
Como no caso de Ferraz, a exposição a outros agentes respiratórios, como a tuberculose, podem piorar o quadro. Por essa razão, a vacinação é também um fator de proteção. “Vacinação antiviral, anti-Covid e anti pneumonia é totalmente indicada nestes indivíduos e previnem de certa forma as alterações que induzem à exacerbação”, afirma Cukier.
Assim como outras doenças crônicas, pacientes com DPOC também têm maior risco de desenvolver outras comorbidades. “As pessoas dizem que é frescura, que eu sou sedentária, dizem ‘vai fazer uma academia’. Mas não é assim, é difícil, a gente não consegue subir uma escada, 16 degraus, que já perde o fôlego”, conta Ferraz.
A incapacidade gerada pela DPOC é um dos fatores citados como mais impactantes na vida do paciente, junto ao preconceito e a falta de conhecimento da doença. “É aquele ditado, você não vê, mas eu sinto. Conheci uma outra pessoa que também me contou que tem uma doença invisível. Eu tenho uma função de 35% do pulmão, ainda não uso oxigênio, então ninguém sabe que eu tenho essa condição”, disse a vigilante.
Manter a saúde em dia pode ser um aliado para não piorar o quadro de DPOC, conta Cukier, do InCor. “Por isso, assim como nós, os pacientes com DPOC devem manter uma atividade física regular.” De acordo com um estudo realizado no ambulatório do InCor, coordenado por ele, cerca de metade dos pacientes com DPOC também são hipertensos, e a proporção de diabéticos chega a 11%.
Há também uma associação entre a doença e o maior risco de desenvolver osteoporose.
Apesar disso tudo, não há cura para a DPOC, o que pode gerar problemas de saúde física, mental e até mesmo para realizar atividades cotidianas nas pessoas.
“No decorrer dos anos, é esperado que a capacidade respiratória vá diminuindo, chegando ao ponto que até esforços menores, como tomar banho, causam uma falta de ar nos pacientes, então as pessoas passam a precisar de oxigênio para conseguir manter uma oxigenação adequada”, disse o médico.
Por essa razão, a redução do tabagismo é a principal medida de saúde pública que vai ajudar a reduzir a incidência de DPOC e outras doenças pulmonares.
“Se você já tem a doença e parar de fumar, ela vai estacionar no nível atual de como estava durante o tempo de uso do cigarro. Se você parou de fumar e não tem a DPOC, você não vai ter depois. Então a prevenção ao tabagismo é a principal forma de evitar a doença”, finaliza Costa.