A moda da câmara de bronzeamento não ficou lá nos anos 2000. Hoje, em São Paulo, ao menos 60 clínicas fazem o atendimento e garantem o tom de pele desejado com o adicional de uma marquinha de biquíni. Isso contra todas as recomendações da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
O uso das câmaras de bronzeamento que emitem radiação ultravioleta (UV), com finalidade estética, é proibido em todo o país desde 2009. Na época, um estudo da Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer (Iarc) associou a prática antes dos 35 anos a um aumento de 75% no risco de câncer de pele.
No estado de São Paulo, porém, uma decisão da Justiça permite que empresas de estética façam o bronzeamento artificial. A Anvisa diz que recorreu da determinação e aguarda julgamento.
Enquanto isso, empresas na capital negam qualquer relação do bronze artificial com o câncer de pele e usufruem da divulgação de influenciadores.
“Nossos equipamentos são luzes UVA, não são radiações, nem jato”, afirma a atendente de uma empresa de bronzeamento na Mooca, na zona leste da capital paulista, para dizer que o procedimento é seguro. As luzes UVA são radiação.
Em outro estabelecimento, no bairro de Perdizes, na zona oeste, a atendente afirma que a câmara filtra tanto as luzes UVB quanto as luzes UVA. “Fica tranquila”, diz ao ser questionada sobre o risco de câncer de pele.
A radiação usada pela câmara, em tese, filtra a luz UVB (raios ultravioleta B, que queimam a pele e são mais presentes no sol das 12 horas) e usa a UVA (raios ultravioleta A, que causam câncer de pele e envelhecimento precoce).
Uma clínica, com filiais em Tatuapé (zona leste), Perdizes, Ibirapuera (zona sul) e na avenida Paulista (região central), gaba-se de ter atendido “com maestria o desejo de clientes exigentes”, como a influenciadora digital e advogada criminalista Deolane Bezerra, a cantora MC Mirella e a ex-BBB Jaqueline Grohalski.
Na filial da Paulista, duas câmaras de bronze fazem o trabalho. Uma, garante a atendente, tem luz infravermelha que proporciona colágeno. Mas as duas têm “luz do sol da manhã”, diz, recomendada pelos dermatologistas para o bronze —até as 10 horas.
Sem perigo, afirma, apenas é necessário saber o fototipo de pele, medido antes com uma máquina semelhante aos termômetros digitais que aferem a temperatura pelo pulso. Com isso, é possível dizer o tempo que sua pele suporta na máquina. As durações vão de 20 a 40 minutos.
“Mesmo que você se proteja do UVB, o UVA continua agindo na sua pele. Não vai queimar, vai te envelhecer e causar câncer”, afirma a diretora do SBD em São Paulo, Flavia Ravelli.
Apesar das promessas de uma radiação semelhante ao sol da manhã, os dermatologistas explicam que o risco de câncer é maior do que o de um bronze na praia.
“O perigo é que as câmaras de bronzeamento utilizam altas doses de radiação ultravioleta para estimular a pigmentação da pele”, diz Marcelo Sato Sano, dermatologista e oncologista cirúrgico da Beneficência Portuguesa.
Os médicos conhecem o procedimento das câmaras porque usam uma tecnologia semelhante na fototerapia. A prática é regulamentada e foi desenvolvida para tratar condições de pele, como psoríase e vitiligo, que respondem à radiação.
“As pessoas pegaram essa tecnologia e popularizaram. Começaram a ver que quem estava bronzeado tinha aspecto saudável”, afirma Cauê Cedar, médico da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).
A diferença entre os procedimentos é que o tratamento médico tem benefícios e é controlado por especialistas, dizem os dermatologistas. Os períodos de tempo na máquina crescem progressivamente e dificilmente passam de 20 minutos.
“Existe dia para começar e dia para terminar, porque a gente sabe que mesmo sendo para tratar uma doença, pode causar câncer no futuro”, afirma a diretora do SBD em São Paulo.
Segundo a médica, a sociedade de dermatologistas já denunciou à Anvisa diversos estabelecimentos irregulares de bronzeamento artificial neste ano. “O que tem chamado nossa atenção são alguns casos de queimadura nessas câmaras de bronzeamento —como são proibidas pela Anvisa, a gente não tem regulamentação”, diz.
Em um centro estético na Bela Vista, na região central de São Paulo, um termo de ciência pede que o cliente procure um dermatologista em caso de machucados e manchas na pele após o bronze. Lá, depois do primeiro ciclo de bronze, que leva ao menos três sessões com intervalo de no máximo 48 horas, é possível ficar até 60 minutos na máquina.
Em outro, na zona leste, três sessões de 50 minutos custam R$ 275. No portal, eles afirmam que têm “o selo Anvisa”, mesmo que a Anvisa não regule procedimentos.
Como se bronzear de forma saudável
Na falta de praia ou piscina para se bronzear antes das 10 horas ou depois das 16 horas, é possível recorrer ao jato de bronzeamento ou ao autobronzeador, dizem os especialistas.
O jato de bronzeamento usa um pigmento pressurizado que “pinta” a pessoa do pescoço aos pés com a cor desejada. O maior risco, diz Cedar, é o pigmento causar algum tipo de alergia ou atingir uma área de mucosa.
O autobronzeador é um produto que pode ser indicado por um dermatologista e aplicado em casa. Depois de um tempo, a tonalidade de pele mais dourada e vistosa fica evidente.
No caso do bronzeamento na câmara de radiação, os médicos orientam a procurar um dermatologista se for percebida alguma alteração após o procedimento —como mancha, alguma pinta que mudou de padrão e queimadura.
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