A 5ª edição da Conferência Nacional de Saúde Mental acaba de chegar ao fim, retomando a discussão de um tema central à sociedade brasileira: a participação social na construção da Política Nacional de Saúde Mental. Diferentes debates acerca desse tema ocorreram no evento, cujo principal objetivo foi a construção de políticas públicas de Saúde Mental mais alinhadas às necessidades da população.
Para que as propostas avancem e se materializem efetivamente, precisamos falar de um aspecto intrínseco a cada uma delas: os recursos orçamentários. É consenso entre os pesquisadores e especialistas da área que há um subfinanciamento histórico das políticas de saúde mental. Dados da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) apontam que, na região da América Latina e no Caribe, os recursos destinados à saúde mental representam, em média, apenas 2% do orçamento total de saúde. No Brasil, não é diferente. Além do baixo volume de recursos passíveis de monitoramento destinados à área, há um segundo problema em sua composição orçamentária: a falta de visibilidade.
Segundo o Boletim n. 7 de Monitoramento do Orçamento da Saúde, elaborado pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), em parceria com o Instituto Cactus e a Umane, até 2017, era possível identificar as principais ações em que o orçamento de saúde mental estava sendo alocado. Resumidamente, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e o Programa Crack é Possível Vencer constituíam as principais ações, do ponto de vista de volume de recursos, destinadas ao orçamento da área. Juntas, sua dotação média correspondia a R$2,2 bilhões. A partir de 2018, entretanto, o nível de transparência dessa composição orçamentária mudou significativamente.
Essa mudança decorreu, especialmente, em função da Portaria GM/MS nº 3588. Publicada em dezembro de 2017 pelo Ministério da Saúde, a portaria em questão passou a concentrar a maior parte dos recursos de saúde mental em uma única ação, mas cuja composição também engloba recursos de outras iniciativas da pasta. Em outras palavras, hoje não sabemos quanto efetivamente o Brasil direciona em volume de recursos para saúde mental, e tampouco para quais iniciativas esses volumes de recursos estão sendo alocados.
Um dos exemplos práticos dessa falta de visibilidade se refere aos recursos destinados a investimentos em saúde mental – na teoria, estes recursos são utilizados para a construção de novos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). De 2017 a 2021, o número de CAPS cresceu 10%, passando de 2.912 equipamentos espalhados por todo o país para 3.208. Entretanto, não é possível identificar a rubrica orçamentária responsável por essa ampliação, impossibilitando o monitoramento destes recursos pela sociedade.
Essa falta de visibilidade dos dados orçamentários também dificulta a análise sobre a priorização do tema no campo político. De acordo com os dados disponíveis, há uma baixa participação das despesas discricionárias para saúde mental, isto é, despesas em que o Ministério da Saúde tem autonomia para alocar conforme diretrizes estratégicas. Já no Poder Legislativo, as informações sobre o orçamento apontam para a ausência de emendas parlamentares para a área de saúde mental. Seria possível afirmar, portanto, que houve uma despriorização do tema entre 2015 e 2022? Com base nos dados disponibilizados, poderíamos confirmar que sim, entretanto, com as dificuldades de visibilidade impostas à análise, torna-se difícil fazer essa afirmação.
Nesse sentido, é mais que essencial a retomada de ações que permitam maior visibilidade e monitoramento dos recursos para a área. Isso porque sem transparência, não há fiscalização, e sem fiscalização, não há controle social. Em última instância, quem acaba por mais prejudicada é a democracia brasileira e o cuidado em saúde mental da população. Este cenário torna-se ainda mais preocupante, especialmente, em um contexto pós-pandemia, onde ainda experimentamos uma recuperação ainda incipiente dos indicadores de saúde mental do país.
Apesar dos inúmeros desafios, é importante frisar também os seus aspectos positivos, sobretudo, na nova gestão federal. Com a retomada da Conferência Nacional, a criação de um departamento voltado para saúde mental dentro do ministério da Saúde, a publicação de portarias que sinalizam a expansão de recursos para a RAPS e sua inclusão no Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), estes mostram-se como caminhos promissores na indução por melhorias dos indicadores de saúde mental do país. Em suma, incidindo sobre pautas fundamentais à SM, a exemplo das já citadas, e criando ações focadas em dar maior transparência ao orçamento da área, poderemos, nos próximos anos, possivelmente vislumbrar um cenário mais positivo nas políticas de saúde mental, e, consequentemente, nas condições de saúde dos brasileiros e brasileiras
Conheça o projeto Monitoramento do Orçamento da Saúde, uma iniciativa do IEPS em parceria com a Umane
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Bruno Ziller é mestre em políticas públicas pela Hertie School (Alemanha) e coordenador de projetos do Instituto Cactus; e Victor Nobre é Assistente de Relações Institucionais do Instituto de Estudos Para Políticas de Saúde (IEPS)
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