Antes de mergulharmos no assunto, Nagarajan Kannan dispara: “Você é um flutuador ou um afundador?”
Trata-se de uma pergunta incrivelmente íntima para ser feita a alguém com quem você só trocou e-mails, mas é a questão central de um projeto do diretor do laboratório de biologia de células-tronco e câncer da Mayo Clinic em Rochester, Minnesota, nos EUA [Estados Unidos].
A maior parte de suas horas diárias de trabalho são dedicadas a estudar os mecanismos celulares e moleculares que levam ao câncer de mama.
Mas, durante seus raros momentos ociosos, Kannan tenta desvendar outro quebra-cabeça: entender o motivo de as fezes, às vezes, flutuarem.
A maioria de nós provavelmente já passou por isso em algum momento: o cocô simplesmente recusa-se a ir embora com a descarga, balançando na superfície da água. Em outros momentos, simplesmente afunda sem deixar vestígios. Um mistério de fato.
A resposta a esse enigma escatológico, no entanto, oferece informações surpreendentes sobre o que se passa dentro dos nossos corpos e sobre a saúde dos micróbios que vivem dentro da gente, acredita Kannan.
Inicialmente, pensava-se que a razão para a flutuação ocasional tinha a ver com os níveis de gordura contidos nas fezes. Mas no início da década de 1970, gastroenterologistas da Universidade de Minnesota decidiram colocar a questão à prova em uma série de experimentos.
Após submeterem os excrementos de 39 voluntários – e até seus próprios para garantir uma boa amostra – a uma enxurrada de testes, chegaram à resposta de que não era gordura, mas sim gás.
Mais precisamente, a quantidade de gás encontrada dentro de um excremento do corpo humano pode variar em tal grau que pode fazer com que as fezes flutuem para a superfície ou afundem.
Assim, os pesquisadores descobriram que se o gás em um “flutuador” fosse retirado, ele afundaria.
Influência das bactérias
A razão para a diferença, eles concluíram, foi a alta produção de metano. Em outras palavras, flatulência excessiva.
E é aqui que entra Kannan. Ao longo dos anos, a ciência médica revelou o enorme papel que nossa microbiota desempenha em muitos aspectos de nossa saúde —da obesidade às doenças cardíacas.
Kannan suspeitava que mudanças na composição dos 100 trilhões de bactérias, fungos e outros microrganismos que moram em nossos intestinos podem ser responsáveis por as fezes flutuarem ou não.
“A maior parte da matéria fecal é formada principalmente por partículas de alimentos transformados que formam uma massa bacteriana”, diz ele.
Para testar a teoria, Kannan e seus colegas da Mayo Clinic estudaram os excrementos de camundongos criados em condições estéreis.
Livres de germes, esses roedores não têm micróbios em seus intestinos. Em testes de flutuação fecal desenvolvidos pela equipe, o cocô desses camundongos afundou instantaneamente na água, enquanto cerca de 50% dos excrementos de camundongos com micróbios intestinais flutuaram, antes de eventualmente afundarem. Quando analisaram o resultado, o motivo ficou claro.
“As fezes livres de germes estão cheias de partículas submicroscópicas de alimentos não digeridos e têm uma densidade fecal maior do que as fezes carregadas de micróbios”, diz Kannan.
A equipe deu, então, a alguns dos camundongos livres de germes as bactérias fecais dos camundongos normais cujo cocô havia flutuado. E os camundongos anteriormente livres de germes também começaram a produzir excrementos que flutuavam.
Mesmo quando os camundongos receberam bactérias de doadores humanos, os excrementos também flutuaram.
“Parece que, uma vez que esses micróbios se instalam, é uma situação universal de o cocô de rato ‘chegar ao topo’, independentemente da espécie doadora”, diz Kannan.
Ele e seus colegas também realizaram algumas análises genéticas em larga escala das espécies bacterianas encontradas nos cocôs flutuadores de camundongos e descobriram altos níveis de 10 espécies bacterianas conhecidas por produzir gás.
A dominante foi a Bacteroides ovatus, conhecida por produzir gás por meio da fermentação de carboidratos, que tem sido associada à flatulência excessiva em pacientes humanos.
Embora as descobertas em camundongos devam ser tratadas com cautela —a relevância para seres humanos ainda precisa ser confirmada— Kannan acredita que a flutuabilidade do nosso cocô pode ser um indicador de mudanças nas diferentes comunidades de bactérias em nossos intestinos.
“Tenho a suspeita de que um ‘flutuador’ pode transitoriamente tornar-se um ‘afundador’ quando estiver tomando antibióticos”, diz ele. Mas acrescenta que ainda não encontrou alguém que estude a questão.
“Garantir financiamento para a flutuação fecal não é tarefa fácil, infelizmente.”
Diversos fatores, incluindo nossa dieta, se fumamos, o nível de estresse sob o qual estamos e uma ampla gama de medicamentos que tomamos, podem alterar a composição das bactérias em nossos intestinos.
Kannan agora está interessado em explorar o que exatamente leva ao florescimento das bactérias produtoras de gás.
“Se você está em um evento social lotado ou em uma viagem espacial, você provavelmente não vai querer sentar ao lado de alguém com um intestino cheio desses micróbios gasogênicos e propensão para a flatulência frequente.”
Esse texto foi publicado originalmente aqui