Shayanne Boulet tinha 18 anos de idade. No final do seu primeiro ano de faculdade, do nada, ela começou a ter coceiras angustiantes.
“No início, pensei que pudesse ser eczema”, relembra ela. “Mas era muito mais debilitante.”
“Eu não conseguia tomar banho quente de chuveiro, não conseguia me concentrar na minha lição de casa, não conseguia dormir porque ficava me coçando por quase duas horas na cama. Eu precisava me levantar para me limpar porque havia sangue nos lençóis.”
Boulet foi diagnosticada com prurigo nodular (PN), uma doença de pele inflamatória crônica.
A condição é uma das muitas causas de coceira crônica, definida pelos médicos como uma coceira que dure mais de seis semanas, e que, segundo os National Institutes of Health (Institutos Nacionais de Saúde nos EUA) afeta uma em cada cinco pessoas em algum momento da vida.
A coceira crônica é associada a distúrbios dermatológicos como eczemas, urticária e psoríase, mas também a outras condições médicas, incluindo doença renal crônica, insuficiência renal e linfoma. Em alguns casos, a coceira crônica pode durar anos e a sensação pode ser enlouquecedora.
No livro “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri (1265-1321), os pecadores condenados ao oitavo círculo do inferno —os fraudadores —sofriam “a fúria ardente da feroz coceira que nada consegue aliviar”.
Muitas pessoas que sofrem de psoríase talvez se identifiquem com a descrição do inferno de Dante. A coceira decorrente dessa condição já foi comparada com um ataque de formigas-de-fogo.
Pacientes com doenças hepáticas chegaram a ser submetidos a transplantes por não conseguirem lidar com a sensação de coceira. E alguns pacientes com câncer param de tomar medicações que salvariam suas vidas por não suportarem a coceira que esses remédios lhes causam.
“Estudos demonstraram que a coceira crônica é tão debilitante quanto as dores crônicas, mas, na verdade, eu defendo que é ainda pior”, afirma o médico e neuroimunologista Brian Kim, da Escola de Medicina Icahn em Mount Sinai (Nova York, EUA).
“Com a dor crônica, você tem uma sensação de dor monótona —uma espécie de dor ‘nível 6 de 10’ que simplesmente não desaparece”, explica ele. “Mas você consegue dormir.”
“A coceira crônica é diferente porque ela não deixa você descansar. As pessoas afetadas ficam se coçando a noite toda. Deste ponto de vista, ela pode ser consideravelmente mais debilitadora.”
Até recentemente, os cientistas não compreendiam, na verdade, o que causa a coceira crônica, mesmo com sua alta incidência. Já as causas da coceira aguda são relativamente bem conhecidas.
Se você for picado por um mosquito ou encostar em hera venenosa, as células imunológicas da pele liberam histamina e outras substâncias, que se ligam a pequenos receptores na superfície dos nervos sensoriais.
Essas substâncias ativam os receptores, que enviam um sinal de coceira para a medula espinhal e para o cérebro.
A coceira aguda é irritante, mas pode ser tratada com anti-histamínicos ou esteroides de uso tópico. Mas os anti-histamínicos não apresentam efeito sobre a coceira crônica.
O resultado é que houve poucos avanços no tratamento da coceira nos últimos 360 anos, desde que a coceira foi definida pela medicina pela primeira vez.
Um motivo é que os cientistas acreditavam que a coceira seria apenas uma forma suave de dor. Este conceito errôneo pode ser visto em um estudo do início dos anos 1920.
O fisiologista austríaco-alemão Max von Frey (1852-1932) cutucou a pele dos participantes de um estudo de laboratório com objetos pontiagudos chamados espículas. Ele concluiu que a sensação inicial de dor era seguida por outra sensação posterior de coceira.
Mas, em 2007, cientistas liderados por Zhou-Feng Shen na Faculdade de Medicina da Universidade Washington em St. Louis, nos Estados Unidos, identificaram um receptor dedicado à coceira em um subconjunto de neurônios (células nervosas) na medula espinhal.
Seu estudo concluiu que camundongos que não tinham esse receptor eram incapazes de sentir coceira. Não importa o quanto se fizesse cócegas ou se causasse irritação neles, eles não se coçavam. Mas os animais sentiam dores normalmente.
Em outras palavras, os cientistas descobriram um conjunto de neurônios na medula espinhal que transmitem especificamente a sensação de coceira para o cérebro.
Desde então, cientistas descobriram outros neurônios e receptores específicos da coceira.
Receptores do tipo Mrgprs foram encontrados em neurônios sensoriais presentes na pele. Eles se projetam diretamente para o cérebro e parecem desempenhar papel fundamental na transmissão da coceira.
Em 2017, Brian Kim e seus colegas do Centro de Estudos da Coceira e Distúrbios Sensoriais da Universidade Washington descobriram que inflamações da pele podem fazer com que as células imunológicas liberem mensageiros químicos chamados IL-4 e IL-3. Estas substâncias, conhecidas como citocinas, também se ligam a neurônios sensoriais da pele, causando coceira.
“Um ponto interessante do trabalho de Brian Kim é que ele descobriu que essas moléculas não apenas se ligam aos neurônios da coceira, mas também reduzem o limite para que outras moléculas da pele ativem esses neurônios. Por isso, eles costumam sensibilizar as pessoas com alergia para que sintam mais coceira”, afirma a professora de dermatologia Marlys Fassett, da Universidade da Califórnia em São Francisco, nos Estados Unidos.
Fassett concentrou seus estudos em outra “citocina da coceira” chamada IL-31. Já se demonstrou que esta citocina ativa neurônios específicos da coceira.
Fassett afirma que será publicado em breve um trabalho que demonstra que, como as outras citocinas da coceira, a IL-31 também reduz o limite dos neurônios da coceira, fazendo com que eles se manifestem com mais frequência e facilidade.
Em um estudo de 2023, Fassett descobriu que, além de causar coceira, a IL-31 também reduz as inflamações próximas. Com isso, a sensação de coceira, em dado momento, diminui.
Sua equipe removeu um gene codificador de IL-31 em camundongos e expôs aos animais a ácaros domésticos, um alérgeno comum da coceira.
Como era esperado, os ácaros não causaram coceira nos camundongos sem IL-31. Mas a inflamação da região disparou.
“Já se sabe há 15 anos que, se você injetar IL-31 na pele ou no líquido cefalorraquidiano de um camundongo, o animal começa imediatamente a se coçar de forma incontrolável”, segundo Fassett.
“Mas permanecia o dilema de que, se você removesse aquela citocina da coceira, a inflamação, em vez de descer para os tecidos, subia. E isso não fazia muito sentido, já que, na maioria dos tecidos onde há coceira e inflamação juntas, você deveria esperar que elas se movimentassem em conjunto.”
Aparentemente, os neurônios da pele ativados por IL-31 também suprimem a reação imunológica, mantendo a inflamação sob controle.
Esta descoberta é importante. Ela significa que as drogas de combate à coceira que têm IL-31 como alvo podem ter consequências indesejadas, fazendo com que a inflamação saia de controle.
O tratamento da coceira
Já estão sendo desenvolvidos medicamentos contra a coceira.
Nemolizumab, por exemplo, se concentra no receptor de IL-31. Ele já completou os testes clínicos de fases 2 e 3 para o tratamento de dermatite atópica —uma forma de eczema que causa pele seca, coceira e inflamação.
Para as pessoas que sofrem dessa condição debilitadora, já existe o dupilumab, um medicamento recentemente aprovado que inibe os receptores de IL-4 e IL-13. E outras medicações, como EP262, abrocitinib e upadacitinib, também estão em testes de fase 3 para o tratamento da dermatite atópica.
EP262 bloqueia o receptor acoplado à proteína G relacionado a Mas X2 (MRGPRX2), enquanto abrocitinib e upadacitinib interferem nos processos de IL-4 e IL-13, inibindo um receptor chamado JAK1.
A coceira crônica está relacionada a distúrbios dermatológicos como eczemas, urticária e psoríase, entre outros.
Outras condições relacionadas à coceira também podem se beneficiar de novos tratamentos.
Em 2023, por exemplo, o médico e professor de dermatologia Gil Yosipovitch, da Escola de Medicina da Universidade Miller, em Miami (EUA), trabalhou com Brian Kim e outros pesquisadores para realizar testes de fase 3 para uso de dupilumab no tratamento de prurigo nodular (PN) —a mesma condição de Shayanne Boulet.
Após 24 semanas, 60% dos participantes que receberam dupilumab observaram redução significativa da coceira, em comparação com 18,4% dos participantes que receberam placebo.
Por isso, a Administração de Alimentos e Drogas dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) aprovou o uso de dupilumab para o tratamento de pacientes com PN.
“PN é uma das condições encontradas pelos dermatologistas que causam mais coceira e, até recentemente, não havia bons tratamentos”, explica Yosipovitch. “Por isso, os pacientes sofriam muito.”
“Esta é uma época emocionante para os nossos pacientes. Eles sentem que, finalmente, existe esperança. Tive tantos pacientes, antes frustrados e infelizes, que vieram me dizer ‘os medicamentos salvaram minha vida’.”
Enquanto isso, o novo laboratório de Brian Kim na Escola de Medicina Icahn está testando difelicefalina para o tratamento de notalgia parestésica, um distúrbio nervoso caracterizado por coceira persistente no alto das costas.
A FDA aprovou o uso de difelicefalina para o tratamento de coceira moderada a severa associada a doenças renais crônicas em adultos que passam por hemodiálise. Mas, no teste de fase 2, também se demonstrou que ela apresenta eficácia moderada no tratamento de notalgia parestésica.
Juntas, essas drogas trazem a esperança que, até recentemente, não existia.
“Sinto que sou eu mesma novamente e posso continuar a viver da melhor forma possível”, afirma Boulet. Ela participou do estudo de Yosipovitch.
“Às vezes, eu me coço um pouco, mas só por dez minutos”, ela conta. “Minha qualidade de vida é muito melhor do que antes.”
Dupilumab não atende a todos os pacientes, mas outros medicamentos estão a caminho.
“Acredito que, nos próximos cinco anos, iremos conseguir controlar a maioria desses pacientes”, afirma Yosipovitch.
“É uma época muito gratificante para médicos como eu, que lidam com o sofrimento desses pacientes há tantos anos.”
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.