Um escândalo que explodiu e dominou as atenções anos atrás, uma atriz em busca de fazer laboratório para o papel de uma das figuras envolvidas na história e uma série de encontros que vão mudar as vidas, mais uma vez, de todos os envolvidos. É com isso que Segredos de Um Escândalo (May December, 2023) nos entrega um dos filmes mais provocativos e interessantes da temporada.
Com exibição em Cannes no ano passado, e depois tendo feito o circuito em outros festivais (passou aqui no Festival do Rio com sessões disputadas), o longa tem na atuação do seu elenco, o maior trunfo dessa história.
Segredos de Um Escândalo precisava de atrizes do calibre de Julianne Moore e Natalie Portman para contar essa história, afinal, é nas sutilezas, nos detalhes, nos olhares, nas ações, e de falas que as duas trocam ao longo do filme que fazem a dupla entregar personagens tão complexas, tão carismáticas.
É por conta do talento delas, e brilhantemente escaladas aqui que vemos essas duas jogarem esse jogo perigoso de ótica, onde Segredos de Um Escândalo mostra que aqui, nessa história, tudo é uma questão de percepção.
Afinal, a história de como Gracie Atherton (Moore), de uns 30 anos, conheceu e teve um envolvimento com Joe Yoo (Charles Melton na versão adulta com 36 anos) com apenas 13 anos, provocou um rebuliço gigante nos anos 90. Foi um verdadeiro escândalo, de fato. E agora, o diretor Todd Haynes vem apoiado nessa obsessão com histórias de true crime, de histórias reais que aconteceram e de produções que se ampliaram na pandemia, vistas as dezenas de doc-séries que pipocaram por aí.
Mas aqui, a grande sacada de Haynes, e de Samy Burch que cuidou do roteiro, assim como um outro Todd, o Field, com Tár (2022), é que essas histórias aqui contadas são ficcionais, com personagens criados para servirem na narrativa desses dois filmes em questão. Claro, Segredos de Um Escândalo é baseado, livremente, em um caso que existiu mas aqui, Burch (em seu primeiro roteiro em Hollywood) cria essa narrativa onde a personagem de Portman, Elizabeth Berry uma atriz conhecida, está por procurar Grace para ela a ajudar a compreender como a família, a própria Grace, o marido, e os filhos, lidam com a questão que retorna para a vida de todos eles por conta da produção do filme baseado na história real.
E assim, Segredos de Um Escândalo vai por colocar Grace e Elizabeth nesse jogo sutil de gato e rato, onde os segredos não só desse escândalo, serão revisitados, mas também outros segredos do passado desses personagens. É um jogo de vaidades, onde as duas personagens se espelham, uma na outra, enquanto passam um tempo juntas, e começam a notar as rachaduras (que ninguém deveria notar). Das pequenas provocações, para os tapas de luva de pelica que uma dá na outra, para a já icônica cena em que as duas se confrontam no espelho, Portman e Moore fazem valer seus Oscars e mostram ali, o poder, e a importância de não só atuações individuais, mas também de ter um bom parceiro em cena.
E o texto de Burch, e o olhar intrusivo de Haynes, para o longa contribui para essas atrizes entregarem atuações magníficas de serem assistidas, afinal, o tom mais cômico, mais satírico, cínico e debochado, ajudam a trama a fluir no meio da loucura, do sensacionalismo dessa viciante história, tanto para os personagens dentro do filme, quanto para nós que estamos vendo Elizabeth investigar e servir como nossos olhos para nos contar.
Claro, o longa, e até mesmo a história, poderia ser mais objetivo do que subjetivo, o que não é do meu gosto particular, mas entendo as decisões narrativas que o longa toma. Afinal, Segredos de Um Escândalo te pega de jeito e te faz cair de cabeça nessa história. E na medida que, não só a personagem Portman, vai por ficar cada vez mais obcecada com tudo, num paralelo interessante ao longa Cisne Negro (que deu o Oscar para Portman), dá para notar que as linhas entre o que é real e que foi “fabricado” ficam muito tênue, onde não dá para confiar em nenhum desses personagens que soam, chocantemente, como grande click baits ambulantes.
Assim, Segredos de Um Escândalo coloca uma lupa e amplifica as situações e edifica essa fofoca em passagens muito interessantes de se acompanhar. Seja os monólogos de Portman olhando para a câmera, de Melton em cima do telhado, ou na impactante cena final, o longa escalona e escolona. Haynes vai atrás com a câmera para ir além do que seria correto, ou o mais correto nessa situação, e coloca Portman como a figura do espectador, tentando saber todos os bastidores, e o que realmente aconteceu, para colocar em sua atuação. Mas, igual fazer um texto opinativo sobre alguma coisa, sempre a nossa percepção dos acontecimentos, nosso contexto, e opinião pessoal, acabam por afetar o trabalho que vamos entregar e a imparcialidade é colocada um pouco de lado.
E é assim que basicamente, Segredos de Um Escândalo se desenvolve com a sua narrativa que é moldada de acordo com a percepção dos personagens, sobre a situação, e o que cada um diz, e acha sobre isso, (ou achamos que eles acham sobre isso). Seja o ex-marido de Grace, Tom (D.W. Moffet), os filhos que ela teve frutos do romance, os jovens Mary (Elizabeth Yu), Charlie (Gabriel Chung) ou, até mesmo, um dos filhos que ela teve do outro casamento, o rebelde Georgie (Cory Michael Smith, particularmente o grande destaque de coadjuvante do filme, desculpa fãs de Melton e de Riverdale).
Assim, o longa, Haynes, as personagens de Moore e Portman, brincam com essa narrativa e jogam em tela situações e momentos que devem deixar o espectador impactado e forçado a tomar lados. O que não é difícil de não formular em sua cabeça alguma tipo de opinião sobre.
No final, assistir Segredos de Um Escândalo é como ter um amigo te contando uma boa fofoca e saber que temos a versão dele, a versão dos outros envolvidos, e o que realmente aconteceu. Mas qual dessas é a verdadeira verdade? Depende de quem conta, quem ouve e quais as intenções.
Segredos de Um Escândalo chega em 18 de janeiro nos cinemas nacionais.