A bailarina Ivi Pizzott sabia que estar com o cabelo trançado durante o nascimento da filha mais nova, Zuri, traria praticidade ao caótico cotidiano do pós-parto. Mas não se tratava apenas de simplificar a rotina.
“Queremos nos sentir bonitas para receber o bebê, nos sentir bem”, afirma. “E a trança traz o empoderamento, a ancestralidade no grande ritual que é o nascimento. Trazer essa força ancestral nesse momento era importante para mim.”
Ela não considerou que poderia ter o desejo negado. Só depois de dar à luz e postar fotos do parto com o cabelo trançado descobriu que existe uma problemática no uso do penteado.
“Recebi relatos bem tristes no Instagram de mulheres que tiveram de tirar as tranças em cima da hora, principalmente no sistema público de saúde, que não receberam nenhum amparo, nenhum carinho”, recorda.
A empresária Carolina Pinto, sócia do salão RAS, em São Paulo, especializado em penteados afros, teve contato com histórias semelhantes.
“As tranças eram marginalizadas até cinco, seis anos atrás, principalmente em ambientes profissionais ou médicos. Cansamos de ouvir que trança era algo sujo, então também é um ato de resistência estar ali com o cabelo trançado”, diz. “Vai muito além de um penteado.”
Carolina percebe pelas clientes que alguns médicos liberam o uso de tranças na hora do parto e outros pedem para retirá-las quando há algum material sintético junto ao cabelo natural.
De fato, não há consenso entre os profissionais da saúde, diz a ginecologista e obstetra Larissa Cassiano. Ela explica que as proibições estão relacionadas ao medo de queimaduras devido ao cabelo sintético ser potencialmente inflamável, mas ressalta que o cabelo natural também tem essa característica.
Além disso, as técnicas são diferentes. No salão de Carolina, por exemplo, o cabelo sintético é fixado ao cabelo natural sem uso de cola ou grampos metálicos, outra preocupação dos profissionais de saúde.
“Algumas dessas colas podem conter metais em sua composição”, comenta Ricardo Porto Tedesco, membro da Comissão de Assistência ao Abortamento, Parto e Puerpério da Febrasgo.
Como em cesáreas eletivas e de emergência os profissionais costumam usar bisturis que geram corrente elétrica, a presença de materiais metálicos na paciente pode ocasionar queimaduras. É por isso que brincos, alianças e piercings, por exemplo, são retirados antes de cirurgias.
“O que geralmente recomendo à gestante é que a trança não tenha nenhum tipo de cola e nem elásticos ou presilhas metálicas. Isso diminui o risco”, afirma Larissa.
É preciso considerar ainda os tipos de bisturis e os equipamentos disponíveis para o aterramento elétrico na sala de cirurgia. O usual é haver uma placa que é aderida à pele da paciente, mas há opções mais modernas, como lençóis especiais. Nesse caso, compara Ricardo, em vez de a corrente do bisturi ir para a terra por um único ponto, ela é dissipada por toda a superfície, reduzindo os riscos de queimaduras.
Maquiagem pode? E esmalte?
Assim como as tranças, o uso de maquiagem, unhas postiças ou esmalte de cor escura requer atenção na hora do parto, principalmente em cesarianas.
A maquiagem com cílios postiços é desincentivada pela aplicação de cola e a possibilidade de queimadura nas pálpebras. “O risco real é pequeno, mas não vale a pena, principalmente em um momento tão especial como o parto”, aconselha Larissa.
Outro cuidado é a paciente escolher produtos aos quais esteja habituada. Maquiagens novas podem desencadear alergias devido aos hormônios da gestação e aos medicamentos administrados em caso de cesárea, destaca Priscila Bauer, enfermeira obstetra na clínica Parto com Amor.
Priscila também desaconselha a micropigmentação labial ou o uso de batom de cor forte por dificultarem a visualização de mudanças nos lábios, sinais importantes no monitoramento do parto. Ela sugere uma maquiagem mais natural e suave.
Ricardo, por sua vez, recomenda às gestantes não se maquiarem antes do parto. Primeiro, porque a maquiagem pode esconder indicativos de complicações, como palidez ou arroxeamento da pele. Segundo, porque os produtos podem dificultar a aderência da fita adesiva no rosto caso haja necessidade de intubação.
“É muito compreensível que a gestante queira se preparar, se produzir para a hora do parto. É um desejo legítimo e devemos respeitá-lo, mas ao mesmo tempo temos de olhar para a segurança”, pondera o médico. “Por mais que se considere o parto um evento natural, temos de estar preparados para a eventual necessidade de uma intervenção de urgência.”
Em relação às unhas, oxímetros mais antigos podem não funcionar corretamente com esmaltes escuros. Unhas de gel ou postiças também podem atrapalhar a leitura do aparelho. Assim, Larissa e Ricardo aconselham unhas naturais, com base ou esmalte de cor clara. Priscila acrescenta evitar esmaltes com formol e manter as unhas mais curtas para evitar machucar o bebê nas trocas e no banho.
Todos os profissionais orientam conversar previamente com a equipe que acompanhará o parto e considerar os recursos disponíveis, já que alguns locais têm equipamentos mais modernos do que outros.
Por fim, lembram que o primordial é a mulher estar bem consigo mesma –e isso pode ser alcançado de diversas formas.
“Para algumas vai ser o cabelo, a maquiagem, e para outras vai ser estar perto de uma pessoa que consideram importante. Muitas pacientes não querem tirar foto, fazer filme, outras querem muitos vídeos”, conta Larissa.
“Digo à gestante: ‘Estude muito, estude sobre a via de parto, como você se sente bem, o que deseja para esse dia. Se quiser estar com o cabelo bonito, com a unha bonita, então esteja”, diz Priscila. “É o primeiro encontro com seu bebê e isso você vai guardar na memória.”
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