“O meu armário está uma bagunça”, confessa Bruna durante uma sessão de fotos no Le Closet. “Olha lá a Julia mexendo nas minhas coisas. Cuidado, vai cair um sapato na sua cabeça!”
Bruna, 61, é a autointitulada síndica do Le Closet (pronuncia-se “lê closê”), apartamento transformado em guarda-roupa coletivo para travestis e crossdressers. O local fica no Largo do Arouche, santuário da comunidade LGBTQIA+, no centro da capital paulista.
Assim como muitas das demais frequentadoras, Bruna passa parte do seu dia a dia vestida de homem, pois teme as consequências de assumir a sua identidade de gênero para seus familiares e colegas de trabalho.
“Aqui tem espaço para a gente se montar, deixar as nossas roupas, se maquiar. É nosso refúgio”, explica.
Travesti e lésbica, Bruna conta que recebeu o apoio da esposa nas primeiras vezes que saiu vestida de mulher, mas dentro de casa ainda é chamada pelo nome masculino. Artista, espera encontrar um emprego bom para poder viver plenamente fora do armário.
Márcia também é travesti e vem ao Le Closet mesmo vestida de homem, durante as pausas no trabalho —é motorista de aplicativo. Já não aluga mais um guarda-roupa no local, mas continua visitando o apartamento para encontrar as amigas e jogar conversa fora. “Apesar das nossas diferenças, a gente sabe que não está sozinha”, afirma.
Ela se empolga ao mostrar no celular fotos de quando se monta, nas quais aparenta ser uns dez anos mais nova. Sente-se bonita quando exibe as pernas, parte favorita do seu corpo. Bissexual, diz que gosta de se relacionar com outras travestis.
Já Fernanda não se considera uma pessoa LGBT+. No Le Closet, usa salto, vestido e batom; do lado de fora, leva uma “vida normal” como homem. “Se minha mulher descobrir que eu estou aqui, ficaria muito puta”, diz.
Fernanda conta que o local foi aberto em 2006 por integrantes do Brazilian Crossdressers Club (BCC), associação já extinta que conectava pessoas de diferentes cidades com interesse em se vestir de mulher.
“O BCC era um grupo de advogados, médicos e engenheiros, mas nem todos podiam acessar o Le Closet. Tinha uma seleção rigorosa para entrar, afinal todo mundo aqui tem alguma coisa para esconder”, explica.
Fernanda não deseja expor publicamente que é crossdresser. “Quem disse que eu quero me assumir?”, questiona.
Dentre as dezenas de pessoas que passaram pelo Le Closet ao longo dos anos, várias morreram, sumiram ou abandonaram a prática de crossdresser. Outras fizeram transição de gênero e já não vivem mais dentro do armário.
É o caso da major Renata. Ela passou a frequentar o Le Closet em 2018 e, em 2020, tornou-se a primeira oficial do Exército a se assumir publicamente enquanto pessoa trans —outras antes dela acabaram reformadas pela instituição.
“O meio crossdresser tem um componente social de classe média para cima. São pessoas que não se identificam com a travesti da esquina, mas algumas entram aqui e se descobrem”, diz. Ela ressalta que não é crossdresser, e sim uma mulher trans.
Renata conta que um fator determinante para sua saída do armário foi a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), em 2019, de equipar a homofobia e a transfobia ao crime de racismo.
“Foi aqui que eu pude encontrar outras pessoas iguais a mim”, afirma, lembrando que ninguém é menos trans por viver dentro do armário. “A roupa não é um fim em si mesmo; é um meio de expressarmos a nossa identidade de gênero.”