Em 2015, foram reportados 1.688.688 casos prováveis de dengue no Brasil. Esse é o recorde em casos considerando a série histórica desde 2000. No ano seguinte, 2016, foram 1.483.623 casos prováveis. Foi a primeira vez que o Brasil teve mais de 1 milhão de casos de dengue em dois anos consecutivos.
Em 2023, o número de casos prováveis foi de 1.658.816, o segundo maior da série histórica. Isso depois de mais de 1,4 milhões de casos em 2022, a segunda vez em que dois anos seguidos registraram mais de 1 milhão de casos.
Nas cinco primeiras semanas de 2024, já foram registrados 395 mil casos prováveis, 323% a mais que o mesmo período de 2023. Esse aumento não é uma surpresa. Ano passado, especialistas já alertavam para uma situação ainda mais crítica em 2024, e a estimativa é que possa haver até 4,2 milhões de casos de dengue neste ano.
Esse aumento acelerado, antecipando a curva de transmissão nos primeiros meses do ano, também é observado em outros países da América Latina.
Se em 2022 havia uma série de dificuldades, incluindo os efeitos relacionados à ruptura de parte do trabalho rotineiro de controle vetorial, devido à pandemia de Covid-19 e às falhas do governo anterior na aquisição de inseticidas, 2015 e 2023 têm uma característica em comum: um El Niño intenso.
Entretanto, não é correto atribuir apenas ao El Niño a situação atual. Não há dúvida que as anomalias climáticas produzidas pelo El Niño agravam a situação. Há, porém, problemas estruturais que, entra e sai governo, permanecem não resolvidos.
Acesso irregular a água, coleta irregular de lixo, carência de educação em saúde desde o ensino básico e crescimento urbano desordenado são fatores determinantes da expansão do Aedes aegypti. Além disso, as Diretrizes Nacionais para a Prevenção e Controle de Epidemias de Dengue preconizam a visita bimestral em 100% dos imóveis e quinzenal nos pontos estratégicos (por exemplo, cemitérios, borracharias, ferros-velhos).
Considerando questões de acesso, segurança e o número de agentes de controle vetorial disponíveis, a frequência dessas ações não acontece como recomendado.
Ou seja, as condições das cidades favorecem a proliferação do Aedes, as anomalias climáticas potencializam essa proliferação, e o controle vetorial não tem pessoal suficiente para atender a demanda crescente de ações. A conta não fecha.
A intensificação das ações de controle em momentos de crise, como agora, ajuda a mitigar a situação, salva vidas, mas não ataca a raiz do problema. Para isso, outros setores do governo precisam trabalhar em parceria com o Ministério da Saúde. O recém-lançado programa Brasil Saudável: Unir para Cuidar busca eliminar ou reduzir 14 doenças socialmente determinadas, porém, não inclui a dengue.
O Brasil Saudável será um esforço conjunto entre o Ministério da Saúde e outros 13 ministérios, inicialmente direcionado a 175 municípios. O programa tem cinco diretrizes. Dentre elas o combate à pobreza, a redução de inequidades e a ampliação do acesso ao saneamento básico —todas cruciais no combate à dengue.
Se, por um lado a colaboração, entre diferentes setores do governo é um desafio no Brasil e no mundo, por outro lado, buscar formas para que essa colaboração aconteça é absolutamente fundamental para que haja soluções sustentáveis para os desafios de saúde pública.
Os erros, acertos e desafios da implementação do Brasil Saudável trarão lições sobre como diferentes setores do governo devem se unir para criar uma forma de governança que, efetivamente, torne o Brasil mais saudável.
Unir para cuidar também é vital no combate à dengue. E essa união precisa ser de longo prazo, não emergencial.
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