O nascimento de um filho com uma síndrome rara e todas as dificuldades e aprendizados com a experiência levaram um casal de empresários brasileiros a idealizar e a cofinanciar um simpósio internacional que reunirá os maiores pesquisadores da área para discutir sobre avanços no tratamento e caminhos para torná-lo mais acessível.
João, 6, nasceu com síndrome de Apert, uma condição genética rara que leva à fusão dos ossos do crânio, das mãos e dos pés. Ela faz parte de um grupo de anormalidades congênitas, chamado de craniossinostose sindrômica, que atinge uma em cada 2.500 crianças.
“Quando ele nasceu foi um susto para todo mundo, inclusive para os médicos. Demoramos três dias para ter o diagnóstico clínico. O genético foi um mês depois”, conta a mãe Natália Jereissati, 46, filha do ex-senador e ex-governador do Ceará, Tasso Jereissati (PSDB-CE).
O marido, Igor Cunha, 52, lembra que, além do susto, foi um período de muitas incertezas. “Ele vai ouvir?, vai falar?, vai andar?, vai ter desenvolvimento cognitivo normal? Eram perguntas que a gente se fazia e as respostas não chegam amanhã. São dois, três anos para saber se vai dar tudo certo”, relata o pai.
Após o diagnóstico, a opção de tratamento dada pelo hospital privado onde João nasceu foi a realização de uma cirurgia grande na cabeça do bebê, entre os seis e os nove meses, o que exigiria dez dias de internação na UTI e transfusões de sangue.
“No primeiro ano, é o período que o cérebro mais cresce. Você precisa da cirurgia para dar espaço para esse crescimento senão há prejuízo ao desenvolvimento cognitivo. Mas a gente sentia falta de informações mais precisas, era um turbilhão de coisas acontecendo ao mesmo tempo”, explica Natália.
Com ajuda da família e amigos, o casal descobriu um centro especializado em anomalias craniofaciais nos Estados Unidos, o Boston Children’s Hospital, da Universidade Harvard, que oferecia uma cirurgia menos invasiva, com apenas um dia de internação de UTI e uso de analgésico no pós-operatório.
Esse protocolo, porém, previa que a intervenção fosse feita antes dos três meses. E assim aconteceu. O casal se mudou para Boston com João e os outros dois filhos. “No primeiro ano foi um grande exercício de paciência e fé de que as coisas dariam certo”, diz o pai.
A jornada só estava começando. Além da intervenção cirúrgica no crânio, João também fez a primeira cirurgia para separar os dedos da mão. Foram mais cinco operações, três em um único dedo. “É a cirurgia necessária para a criança fazer o movimento de pinça. Conseguir desenhar, escrever”, conta a mãe.
Nesse processo, a família vem contando com ajuda de uma equipe multidisciplinar já que a síndrome atinge várias estruturas do corpo. As deformidades ósseas do crânio podem afetar, por exemplo, os sistemas respiratório, auditivo e de visão.
No momento, João está numa pausa de cirurgias, mas a partir da pré-adolescência ele passará por outras operações grandes na face. Até agora foram dez intervenções no total.
“O osso do meio da face ainda não está no lugar, tem a questão dos dentes, mas, graças aos tratamentos, a síndrome hoje é só um detalhe na vida dele. É um menino inteligente, sabe o quer quer, vai à luta”, diz Natália.
Segundo ela, toda essa jornada motivou o início de um movimento para chamar a atenção para as dificuldades na jornada de familiares e pacientes com síndrome de Apert, especialmente pela falta de diagnóstico e tratamento. A ideia é também sensibilizar a sociedade para a incorporação dos avanços à assistência no SUS.
O primeiro passo já foi dado. Eles idealizaram e estão ajudando a financiar um simpósio internacional, nos dias 14 e 15 de março, que acontecerá no Hospital de Reabilitação e Anomalias Craniofaciais da USP (Universidade de São Paulo), em Bauru, interior paulista, referência brasileira no tratamento dessas síndromes.
O evento tem parceria de especialistas do Boston Children´s Hospital, um dos centros médicos pediátricos mais renomados dos Estados Unidos, e do Necker Enfants Malades, de Paris (França).
Segundo o médico Nivaldo Alonso, coordenador de cirurgia craniofacial do hospital e um dos painelistas, entre os desafios no tratamento de craniossinostose sindrômica no Brasil está a integração de especialidades médicas. “Obstetras e pediatras, por exemplo, precisam saber mais sobre as síndromes, para que o diagnóstico aconteça cada vez mais cedo.”
Para o cirurgião plástico Cássio Eduardo Raposo do Amaral, vice-presidente do Hospital Sobrapar, outro centro de tratamento que atende o SUS (Sistema Único de Saúde), a principal dificuldade que os pais enfrentam é encontrar um centro que ofereça um tratamento global dessas síndromes.
Isso envolve uma equipe multidisciplinar, com neurocirurgiões, cirurgiões plásticos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, ortodontistas, odontologistas, otorrinolaringologistas, entre outros.
“Na síndrome de Apert, existem as deformidades do crânio, da face, das mãos e dos pés, mas também há malformações cardíacas e renais, entre outras. Muitas vezes, o paciente recebe um tratamento em outras regiões do país e acaba sendo referenciado para a gente para fazer as outras cirurgias e o acompanhamento.”
A proposta do simpósio também é discutir diferentes abordagens e protocolos de tratamento dessas síndromes. “Em algum lugar do Brasil vai nascer uma criança com a síndrome, e as pessoas não sabem o que é e como tratar”, diz Cunha, pai de João.
Natalia afirma que o tratamento da síndrome encontra entraves nos sistemas de saúde público e privado. “No sistema privado, a gente não teve o apoio multidisciplinar, é tudo muito fragmentado. Cada especialista tinha uma visão diferente sobre a síndrome. Aquilo deixava a gente louca.”
Já no SUS, segundo ela, existe a abordagem multidisciplinar nos centros especializados, mas há insuficiência de vagas e de materiais, como os distratores, dispositivos mecânicos que fazem uma tração gradual de superfícies ósseas, permitindo um alongamento e a estimulação de formação óssea.
“Cirurgias estão sendo adiadas e isso pode ter um efeito ruim porque existe um período certo para fazê-las”, diz Natália.
O casal tem mapeado esses gargalos e pretende provocar essa discussão no simpósio. Além dos médicos e pesquisadores, estão convidados gestores do Ministério da Saúde e da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
Para Natália e o marido, a falta de informações seguras e rápidas e a subnotificação dessas síndromes são problemas que têm impacto direto na assistência. “O João, por exemplo, até hoje não foi notificado como uma criança nascida com uma doença rara. Se você não consegue medir isso, não incentiva políticas públicas”, diz Cunha.
Saiba mais sobre a craniossinostose
O que é?
Anormalidade congênita que afeta 1 em cada 2.500 nascidos. Causa alterações no formato do crânio e pode levar à hipertensão intracraniana, que provoca, entre outras coisas, dores de cabeça, alteração visual e prejuízo na capacidade de aprendizado
Por que ocorre?
É provocada pelo fechamento precoce de suturas cranianas responsáveis pelo crescimento dos ossos do crânio. As causas são diversas, como força mecânica (ambiente uterino), distúrbios metabólicos e alterações genéticas, o que não implica necessariamente ter alguém na família com a malformação
Quais os tipos
Pode se manifestar na forma isolada e de forma sindrômica, que é quando a criança nasce com craniossinostose associada a outras características. As síndromes de Apert, Crouzon, Muenke, Pfeiffer e Saethre-Chotzen são os exemplos mais comuns
Como é o diagnóstico
Geralmente, o diagnóstico é clínico, realizado a partir da avaliação do conjunto das características apresentadas pela criança por vários profissionais. Daí a importância de um centro que tenha equipes multidisciplinares. As causas genéticas podem ser identificadas por meios de exames de DNA
Como é o tratamento?
Há protocolos diferentes, mas o importante é o tratamento cirúrgico no primeiro ano, preferencialmente até os seis meses. A cirurgia craniomaxilofacial, por exemplo, remodela o crânio, prevenindo a hipertensão intracraniana, melhorando a respiração e problemas oculares
Como conseguir tratamento no SUS em SP
A família deve procurar, primeiramente, a rede básica de saúde do seu município, para avaliação inicial e posterior encaminhamento via Siresp (Sistema Informatizado de Regulação do Estado de São Paulo) – conhecido anteriormente como Cross. Pacientes do país todo podem ser inscrever