Longas horas de espera, sofrimento e doentes aglomerados sem a devida acomodação foram algumas situações encontradas pela Folha na quarta-feira (3) durante visita a tendas da dengue abertas pela Prefeitura de São Paulo para atendimento a pessoas com sintomas da doença.
A equipe não se identificou em nenhum dos serviços, mas todos os entrevistados foram avisados de que se tratava de uma reportagem e concordaram em compartilhar os depoimentos e as imagens.
Pelos relatos de pacientes e funcionários, a primeira triagem serve apenas para indicar onde a pessoa será atendida — neste momento, não é feita a classificação de risco da doença. Se tiver sintomas de dengue, vai para a tenda; caso contrário, segue o fluxo da unidade onde o equipamento está instalado.
A reportagem encontrou tendas lotadas, tempo de espera longo e aglomerações —servidores usavam máscara, mas a maioria dos pacientes não.
A pior situação foi a da tenda da UPA 26 de Agosto, em Itaquera. Logo questionamos os funcionários sobre o tempo de espera. Um deles afirmou que “estava entre 40 minutos e uma hora, com chance de ser ainda menor” —bem diferente dos relatos obtidos.
Havia pacientes espalhados por toda a unidade. A reportagem presenciou pessoas com dor de cabeça e no corpo, com vômito, febre, debilitadas e sem força. Algumas estavam deitadas ou sentadas no chão.
A vendedora Mônica Correia, 27, pediu para falar com a reportagem. A mãe dela, Eliane Correia, 48, aguardava atendimento desde o meio-dia. Até 16h, só havia sido feito o cadastro dentro da UPA.
Eliane se contorcia de dor numa cadeira e chorava muito. Ela chegou ali com dor no corpo, calafrios e não conseguia ficar em pé. Um sangramento no nariz preocupou ainda mais a filha, que relatou o quadro aos funcionários da tenda.
“Disseram que tinha que esperar. Caso ficasse grave, ela seria encaminhada para dentro. Uma mulher [funcionária] falou para mim que tinha gente esperando desde as 9h e estava sendo atendida agora, e que eu deveria ter mais calma. Deram uma garrafinha para a minha mãe e falaram para ela tomar água de pouquinho em pouquinho”, relatou Mônica.
Na quinta (4), por telefone, Mônica Correia contou que Eliana recebeu medicação e hidratação na UPA, e retornou à tenda para receber o resultado do teste e receita médica, o que demorou duas horas. Mãe e filha haviam deixado o local às 21h de quarta.
Com o ajudante geral Jonathan Nascimento Alves, 25, não foi diferente. Chegou à tenda às 10h, com dor no corpo, de cabeça e ânsia de vômito. Até 16h30, não havia recebido nem o resultado do teste de dengue.
“Duas horas para passar na triagem, duas horas para poder fazer a coleta do exame. E é só uma máquina que está funcionando para o resultado. Não peguei o exame, não tenho nem ficha com meu nome. A única coisa que fizeram foi tirar o meu sangue”, contou.
O distrito de Itaquera tem a quarta maior incidência de dengue da cidade —2.131,8 casos por 100 mil habitantes, segundo o último boletim epidemiológico da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo.
Na tenda da AMA/UBS Parque Anhanguera, na zona norte, de acordo com uma funcionária, o processo —da triagem até a alta— levava de duas a três horas.
Não foi o que ocorreu com o estudante de marketing Jeferson Batista Soares, 30. O rapaz procurou a unidade às 8h, com dor no corpo, de cabeça e vômito. Quando a reportagem saiu do local —passava das 12h30—, Soares ainda não sabia o diagnóstico.
Até o momento, de acordo com a Secretaria Municipal da Saúde, 35 unidades de saúde contam com tendas para atendimento à população com sintomas de dengue. Nem todas atuam da mesma forma.
Na AMA/UBS Parque Anhanguera, por exemplo, a tenda é utilizada somente para o teste. Triagem e atendimento médico continuam dentro do serviço. A subutilização do equipamento gerou demora no atendimento a doentes com outros problemas.
A costureira e cabeleireira Ana Beatriz Viana Almeida, 38, levou a filha com dor no estômago à unidade. Leilane Almeida, 19, chegou com a mãe na AMA às 7h. “A medicação está toda desorganizada. Uns vão na frente, outros atrás. Quem passa pelo médico demora para receber a medicação”, afirma Almeida.
Na AMA/UBS Chácara Cruzeiro do Sul – Zélia L. M. Doro, na zona leste, o problema começa na frente da unidade, em via pública. Há uma grande poça d’água que, segundo moradores, não tem nada a ver com chuva.
Nesta unidade, o cadastro de paciente, consulta, teste e hidratação são feitos dentro da tenda. O problema é o tempo de espera. Por volta de 15h, mais de 30 pessoas aguardavam atendimento no local. O militar aposentado Levi de Joani, 53, chegou ao meio-dia, fez o cadastro e mediu a pressão arterial. Não tinha previsão para realizar o exame e receber medicação.
Na mesma tenda, Sônia Navarro, 57, presenciou uma enfermeira maltratar pacientes. “Dentro da tenda tinha uma enfermeira sem paciência com as pessoas que estavam com dor. Ela falou alto e foi com ignorância”, comentou Navarro.
O que diz a Secretaria da Saúde
Em nota, a SMS (Secretaria Municipal da Saúde) afirmou que as unidades de urgência e emergência e as UBS possuem protocolos assistenciais para o atendimento dos casos de dengue padronizando as condutas e encaminhamentos na cidade.
O texto diz, ainda, que nenhum paciente é recusado e o atendimento médico é priorizado de acordo com a condição clínica e gravidade. O tempo de espera varia de acordo com o caso e a demanda.
Segundo a pasta, a tenda da UPA 26 de Agosto foi ampliada e realiza, em média, 850 atendimentos por dia. As máquinas para processar exames laboratoriais estão em funcionamento.
Com relação à conduta da funcionária na AMA/UBS Chácara Cruzeiro do Sul, a equipe de saúde foi reorientada sobre o acolhimento humanizado.
Na AMA/UBS Parque Anhanguera, as tendas são utilizadas no processo de trabalho que facilite a organização da unidade, segundo a SMS.
A secretaria não comentou pontualmente sobre a poça d’água em frente à AMA/UBS Chácara Cruzeiro do Sul e nem a respeito dos pacientes Eliane, Levi, Jonathan, Jeferson e Leilane —citados no texto.
Dengue requer atendimento rápido, dizem especialistas
O infectologista André de Siqueira, pesquisador do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (Fiocruz) e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, e Evaldo Stanislau de Araújo, infectologista do Hospital das Clínicas de São Paulo, reforçam a importância de um atendimento rápido na dengue, principalmente durante uma epidemia, e a necessidade de classificar o risco.
“Na dengue não tem um tratamento específico ainda. Então, nesse contexto, todo o cuidado da pessoa infectada se baseia primeiro na suspeição de que é um caso de dengue; segundo, em rapidamente classificar em qual grupo o paciente está. É primordial ter um fluxo que priorize uma avaliação criteriosa e rápida”, explica o pesquisador.
Segundo Araújo, a classificação de risco rápida pode ser a diferença entre a vida e a morte. “O paciente chegar na tenda e ficar cinco ou seis horas esperando, quando ele for atendido, o quadro já pode ter progredido. A dengue pode evoluir em poucas horas para uma forma mais grave”, diz.
“A primeira triagem já deveria fazer a classificação de risco ou, ao menos, mandar para a tenda e ter alguém da área da saúde treinado para essa classificação. Agora, se essa triagem que eles fazem não tem perguntas específicas sobre os fatores de risco, não identifica populações mais vulneráveis. Se não faz a prova do laço, não tem acesso a um hematócrito, é muito precária e pode comprometer o desfecho de determinados pacientes”, finaliza Araújo.