Diante de um surto histórico de dengue e de prateleiras sem um repelente sequer para vender, a Argentina recebeu nesta segunda-feira (8) o primeiro lote de doações internacionais do produto que virou tema invariável de conversas entre os moradores locais.
Uma carga com mais de 22,3 mil unidades desembarcou no Aeroporto de Ezeiza, na Grande Buenos Aires, como doação do laboratório SC Johnson. Pouco mais que o dobro desses itens deve chegar em breve, totalizando 50 mil. São produtos da marca Off, a mais comum no país.
Os itens, no entanto, não irão para as prateleiras para serem comercializados. A distribuição dos repelentes será organizada pela Cáritas argentina, organização humanitária internacional ligada à Igreja Católica e com forte atuação entre os mais pobres, os migrantes e os refugiados.
Em comunicado, a organização disse que suas equipes comunitárias distribuirão os produtos às famílias mais necessitadas em todo o país. Somente em zonas mais centrais, como a província de Buenos Aires, ao menos mais de 20 mil famílias seriam impactadas.
O último boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde local revela que o atual surto da doença, iniciado em dezembro e com ápice em março, conta com quase 233 mil casos de dengue.
São 495 casos da doença a cada 100 mil habitantes na Argentina —para comparação, no Brasil são mais de 1.300 casos por 100 mil pessoas. Ao menos 161 mortes relacionadas com a dengue já foram registradas. E a maior parte dos casos (66,8 mil) foi registrada em Buenos Aires.
Os dados são considerados históricos porque, quando acumulados, representam quase quatro vezes o número de casos do mesmo período dos anos 2022/2023. Em comparação com a temporada de 2019/2020, chegam a ser nove vezes mais.
O manejo da crise sanitária por parte do governo de Javier Milei tem despertado críticas. Primeiro pelas semanas de silêncio que sustentou o ministro da Saúde, Mario Russo, sobre o tema, mas depois sobre o teor de suas declarações.
A administração já disse que não pretende incluir a vacina contra a dengue no calendário nacional de vacinação, como o fez o Brasil. Segundo Russo, que é médico cardiologista pela Universidade de Buenos Aires, a UBA, não há comprovação de que a vacinação em massa possa mitigar o atual surto da dengue no país.
Na declaração que mais alvoroço causou, Russo recomendou atenção às suas roupas como modo de prevenir a doença. “É preciso usar mangas compridas, roupa clara e ter cuidado com as calças curtas”, disse ele, no mais uma figura de pouco destaque no governo.
Indagado pela imprensa local, esclareceu que o governo não é contra a vacina, mas que o ato de se vacinar fica a cargo de decisões pessoais. Portanto, do poder de compra de cada um.
Em média, a aplicação da vacina contra a dengue em duas doses em laboratórios privados de Buenos Aires custa 70 mil pesos argentinos (algo em torno de R$ 350).
Os últimos dados da administração nacional mostram que o salário mínimo argentino beira os 202,8 mil pesos, colocando o país em uma das posições mais baixas no ranking latino-americano quando se compara as moedas locais ao dólar.
Russo tem dito que a pressão pela inclusão da vacina no calendário nacional resulta de interesses privados. “Eu fui muito criticado, mas a saúde não foge à realidade nacional; também no setor há interesses”, disse ele em conversa recente com o canal TN.
“Há pressões dos laboratórios, dos meios de comunicação e da ‘casta'”, concluiu, empregando o termo que seu chefe, Javier Milei, usa com frequência para se referir a parte da comunidade política.
Mais recentemente, já em busca de suprir a ausência dos repelentes nos mercados e farmácias locais, o governo decidiu anular por um mês as travas à exportação do produto.
A resolução veio após o laboratório da SC Johnson, que responde por quase 80% do mercado local, dizer publicamente que não mais podia abastecer o país. A procura, afinal, teria aumentado 300%.
Nas únicas plataformas online de venda onde se encontra a marca mais comum à venda, os preços são exorbitantes. Versões em creme o aerossol de menos de 200 gramas chegam a sair por cerca de R$ 200.
Argentinos com viagens que já estavam agendadas para o exterior têm aproveitado para fazer estoque do item. Aos turistas brasileiros que vão ao país, incluir o repelente como item indispensável é boa ideia.