Em 2023, as quedas causaram a internação de 34.067 crianças menores de dez anos, em hospitais do SUS (Sistema Único de Saúde). Se comparado com 2022, quando o número de hospitalizações chegou a 29.943, o aumento foi de 13,7%. Nos dois anos, a faixa de cinco a nove anos concentrou a maior parte dos registros —20.271 em 2023 e 17.600 em 2022.
Os dados foram coletados do SIH (Sistema de Informações Hospitalares) do SUS pela SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria).
A entidade analisou a série de 2014 a 2023, e o recorte por faixa etária. No período, 332.363 crianças foram hospitalizadas pelo mesmo motivo. Destas, 26.154 eram menores de um ano; 110.503 tinham de um a quatro anos e 195.706 estavam na faixa de cinco a nove anos.
Segundo Luci Pfeiffer, presidente do Departamento de Prevenção e Enfrentamento das Causas Externas da SBP, a maioria dos acidentes acontece dentro de casa ou em ambientes que a criança costuma frequentar. Ela reforça que as quedas são evitáveis, com medidas simples como um bloqueio nas escadas ou não deixar um bebê em cima do trocador sozinho, por exemplo.
“Os números mostram um desconhecimento geral de tudo que é desenvolvimento normal da criança e do adolescente, e a falta da cultura da prevenção. E todos devem se preocupar com isso”, ressalta Pfeiffer.
“Os pais devem se colocar no lugar da criança. A proteção nos primeiros anos de vida é totalmente passiva: eu protejo, eu não deixo. Muitos pais também acreditam que se disserem ou ameaçarem uma criança de dois anos —não suba na escada— ela vai obedecer. Se a gente sobe a escada, ela terá muita vontade de subir ou descer. Ela vai tentar, não porque é desobediente. A criança nem entende o que é a obediência. A obediência é quando você repete atitudes e essas atitudes são de impedimento”, explica Pfeiffer.
“Se você não pode subir a escada, eu ponho uma grade. E ela vai entender que ali é proibido. Não pode estar na cozinha, que é onde acontece 80% das queimaduras, você põe um bloqueio. A criança não entende o valor do sim e do não”, diz a especialista.
Em quase metade dos registros de internações (156.802) não consta o tipo de queda, mas há possibilidades, segundo Pfeiffer. Nos bebês, queda do trocador ou da cama dos pais. Com oito a dez meses, os tombos do berço. Quando a criança consegue engatinhar são as quedas da escada e de degraus.
“Sabe o que temos muito em nosso país, a partir de sete ou oito anos? São as quedas de laje em lugares onde se tem menos estrutura social. São as crianças que brincam e vão a lugares mais altos. Se eu puser a causa que está por baixo de tudo isso, é a falta de cuidado e supervisão. É a ausência do adulto na hora que a criança fica desprotegida e a queda acontece”, enfatiza a especialista.
Na rotina médica de Claudio Santili, ortopedista pediátrico do Hospital Israelita Albert Einstein e do Instituto Cohen, há mais situações envolvendo quedas do que casos com algum tipo de demanda para atenção médica. É comum surgirem crianças que caíram de brinquedos como camas elásticas, além de acidentes com bicicletas.
“Nas camas elásticas aparentemente estão protegidas, mas elas geram muitas quedas em situações que podem fraturar o esqueleto infantil. E as bicicletas. Aumentou muito o número de crianças que andam de bicicleta hoje, ou mesmo em playgrounds, que são lugares onde as quedas são mais frequentes”, afirma Santili.
Como saber se a criança que sofreu a queda precisa de atendimento hospitalar? De acordo com Claudio Santili, que também é traumatologista, a fratura é caracterizada se for um trauma mais grave, com deformidade visível. Neste caso, tem que levar.
“A colocação sob proteção da pele de um saco com pedrinhas de gelo evita que o inchaço seja maior e isso é uma atitude para emergência, em casa, longe de um centro de atendimento. Se a dor persistir por mais de duas horas e tem algum tipo de deformidade, faça esse saco com gelo e vá para o pronto-socorro.”
“Toda atividade que envolve um risco de queda precisa ter a vigilância e a proteção do adulto. Então, é preciso muita atenção, porque, na verdade, a queda ou a exposição a esse risco acontece, muitas vezes, por descuido de quem deveria estar cuidando, ou por um acidente, porque a criança não consegue prever ou antecipar o risco. O adulto pode evitar. Mas evitar que elas caiam não quer dizer não deixar fazer nada. Participe de uma forma bem paternal, maternal dando a liberdade para os seus filhos, mas esteja atento para o risco que você está expondo”, afirma o ortopedista.
Acidentes são evitáveis; veja algumas orientações da SBP
Crianças com menos de um ano
– Nunca deixe o bebê sozinho no trocador ou em locais altos, como na cama, e nem sob os cuidados de outra criança;
– Quando o bebê começa a controlar os movimentos e aprende a sentar, um reflexo de hiperextensão posterior faz com que ele, sem desejo disso, se jogue para trás e bata a cabecinha no chão. Por isso, o uso de almofadas e a presença do adulto cuidador são fundamentais;
– O andador não deve ser usado em nenhuma idade. Ele tem sido causa de graves acidentes com traumatismos cranianos significativos;
– Não deixe o bebê em sofás ou cadeira, como se fosse um apoio para aprender a sentar.
De um a quatro anos de idade
– Coloque telas nas janelas, sacadas e vãos desprotegidos, como laterais de escadas. Não deixe objetos, cadeiras, sofás e outros apoios próximos desses lugares.
– Banheiro, pisos e calçadas em volta de piscinas que estejam molhados devem ser proibidos para brincadeiras;
– Brinquedos de locomoção devem ser utilizados em locais apropriados, nunca em via pública, e sempre com os equipamentos de segurança, como capacete, joelheiras, tornozeleiras e cotoveleiras;
– Camas tipo beliche não oferecem segurança em nenhuma idade, mesmo com proteção nas laterais.
De cinco a nove anos de idade
– Capacete, cotoveleira, joelheira e tornozeleira devem ser condição de uso dos brinquedos de locomoção;
– O uso do celular ou outras telas não pode ser permitido quando em vias públicas, ou quando a criança está em movimento