“Eu não me sinto mais a mesma” e “será que estou enlouquecendo?” são pensamentos que se tornaram constantes para Karina Mouhanna, 42, no último ano. Ela não é a única. O sentimento é comum a mulheres que passam pela perimenopausa, período entre cinco e sete anos anterior à menopausa, definida um ano após a última menstruação.
E tem até sigla para defini-lo: NFLM (not feeling like myself, ou “Não me sinto mais a mesma”, em português). A frase pode estar associada a sintomas inespecíficos do período, mapeados por uma pesquisa publicada no periódico Menopause, da Sociedade Norte-Americana de Menopausa.
Dentre eles, estão insônia, fadiga, tristeza, sensação de sobrecarga, ansiedade, irritabilidade, esquecimento, preocupação excessiva, dificuldade de conseguir se acalmar, de tomar decisões e de concentração.
Para o estudo, 1.263 mulheres entre 35 e 55 anos — a maioria residentes nos Estados Unidos e no Canadá — responderam a um questionário para uma análise multivariada que incluía a pergunta: “Muitas mulheres relatam simplesmente não se sentirem como elas mesmas durante esta fase da vida. Com que frequência isso foi verdade para você nos últimos 3 meses?”.
Do total, 63% responderam que o sentimento foi comum por, pelo menos, metade do tempo. Apenas 12% afirmaram que não tinham tido a sensação no período analisado. O estudo concluiu que reconhecer os sintomas associados ao NFLM pode melhorar o cuidado das mulheres nessa fase.
A menopausa costuma acontecer entre os 45 e 55 anos, o que significa que a perimenopausa (primeiro estágio do climatério) pode atingir mulheres, em geral, a partir dos 38 anos, diz o ginecologista Igor Padovesi, membro da Sociedade Norte-Americana de Menopausa e da Sociedade Internacional de Menopausa.
Os clássicos calores, chamados de fogachos, portanto, costumam vir na fase mais tardia do processo de transição para a menopausa e, às vezes, só depois dela. Cerca de 20% das mulheres podem nem sentir o sintoma.
“As mulheres têm muito a ideia de que um exame vai apontar como estão os hormônios, como se fosse matemática, e não é. Muitas vezes não tem como saber por meio de exames. A perimenopausa é uma síndrome clínica, um conjunto de sintomas, devido à falência progressiva dos ovários”, diz Padovesi.
As mulheres têm muito a ideia de que um exame vai apontar como estão os hormônios, como se fosse matemática, e não é. Muitas vezes não tem como saber por meio de exames. A perimenopausa é uma síndrome clínica, um conjunto de sintomas, devido à falência progressiva dos ovários
Quando os ovários entram em falência, as concentrações dos hormônios femininos, estrogênio e progesterona passam a oscilar. Os sintomas, portanto, são causados pela mudança hormonal, e a variedade deles pode causar confusão.
Karina chegou a tomar remédios para insônia após recomendação de um psiquiatra. Mas começou a estranhar quando surgiram outros sintomas: fogachos, irritabilidade e ressecamento na pele foram alguns deles.
“Os motivos da irritabilidade eram variados, até mesmo por coisas bobas. Eu costumo fazer as lancheiras dos meus filhos todos os dias de manhã. Mas, um dia, eu acordei e me deu uma irritação de olhar para as lancheiras que eu tinha que fazer, algo que eu faço com o maior prazer, são meus filhos. A partir daí, eu pensei ‘Não estou normal’”.
O relato fez o psiquiatra de Karina notar que a situação não estava sob a sua alçada: era uma questão hormonal. “Eu falei para ele: ‘estou enlouquecendo'”, diz Karina.
Outros episódios também a deixaram atenta: quando tinha insônia, ouvia músicas “tocando” em sua cabeça. “Depois, lendo materiais, vi relatos de mulheres que também ouvem músicas. Conversei com uma amiga e ela me contou que já tinha passado pela mesma situação”, conta.
Ela diz que, mesmo entre seu grupo de amigas, por vezes, nota que nem todas ficam confortáveis em falar sobre o assunto. “A gente passa por um período de vergonha e medo de falar sobre isso, porque isso ainda simboliza que a mulher está envelhecendo. E é um assunto que não é muito explorado. Tem um preconceito da própria mulher e das outras também.”
A questão não costuma ser muito debatida nem mesmo dentro da medicina, segundo Padovesi. “É comum que as mulheres saltem de um especialista a outro, tratando sintomas e não a principal causa, que é a hormonal. Muitas escolas de medicina e programas de residência não explicam aos aspirantes a médicos os sinais clínicos da menopausa e perimenopausa.”
A médica Mariana Vilela, 37, começou a notar há cerca de um ano que passou a ter dificuldade de concentração e de manter a linha de raciocínio quando falava. Junto a isso, surgiram sintomas como falta de ânimo e cabelos ressecados. Ao ser atendida por um profissional, ele relacionou o caso ao pós-covid e à sobrecarga da dupla jornada da maternidade e do trabalho.
“Eu não me reconhecia. Tanto fisicamente quanto emocionalmente. Sempre fui muito ativa, calma e de repente tudo começou a mudar. Trabalhava com dificuldade, sempre muito cansada. Não tinha ânimo para brincar com meus filhos”. Os sintomas sumiram depois que passou a fazer terapia de reposição hormonal.
“O profissional não pensou em perimenopausa. Acredito que muitas mulheres fiquem sem tratamento adequado”, diz ela.
Além da reposição hormonal, que ajuda a aliviar os sintomas, eles também podem ser controlados com mudanças no estilo de vida, como a prática de exercícios físicos regulares e uma dieta balanceada.
Karina escolheu tentar todos os métodos. “Não dá para ficar sofrendo calada. Dá para passar por isso sem sofrimento”, diz.
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