Um novo dispositivo possibilita a visualização do interior dos vasos cerebrais ao mesmo tempo que ajuda na detecção de coágulos, podendo ser utilizado durante procedimentos cirúrgicos no tratamento de AVCs (acidentes vasculares cerebrais) e outras condições vasculares, como aneurismas.
Desenvolvido por um engenheiro do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), Giovanni Ughi, o instrumento foi aplicado pela primeira vez em 32 pacientes com condições neurovasculares, como AVC, aneurismas e de dois hospitais, a Clínica Sagrada Família, em Buenos Aires, e o Hospital St. Michael, em Toronto (Canadá).
Ele funciona como um cateter miniaturizado, uma vez que os vasos cerebrais tendem a ser ainda mais finos e delicados do que os cardíacos, explica o neurocirurgião brasileiro Vitor Pereira. “Hoje em dia, a gente consegue ver as artérias cerebrais com ressonância magnética e tomografia, mas a visualização é de baixa definição, porque essas técnicas foram feitas para detectar sangramento cerebral, mas não para ver os vasos com definição.”
Pereira é pesquisador do departamento de neurocirurgia do Hospital St. Michael e liderou o estudo publicado nesta quarta-feira (15) na revista Science Translational Medicine.
Chamado de OCT (sigla para tomografia de coerência óptica), o dispositivo já era utilizado em procedimentos médicos, como para obter imagens de alta resolução do nervo óptico e de artérias cardíacas. Também era usado como ferramenta auxiliar no procedimento de cateterismo ou de angioplastia coronária, usados para tratar doenças cardíacas.
No caso das doenças cerebrovasculares, uma dificuldade enfrentada por médicos sempre foi poder ter a visualização completa das paredes dos vasos, explica Pereira. “Por conta da dificuldade no acesso e na navegação nos vasos cerebrais, a gente nunca teve um estudo completo deles fora de uma necrópsia ou cirurgia. Esse dispositivo forneceu, pela primeira vez, imagens do interior dos vasos cerebrais com alta resolução. Traz um leque de possibilidades, tanto do ponto de vista do diagnóstico como terapêutico”, afirma.
Nesse sentido, o novo dispositivo pode ajudar no diagnóstico de diversas condições de difícil definição, como doenças nas placas da carótida, inflamação das artérias intracranianas e lesões pós-trauma.
“Para listar algumas, ele pode ajudar no diagnóstico de aneurismas, de AVC, de estenoses intracranianas, vasculites, lesões das artérias por trauma ou qualquer processo que danifica as camadas da parede vascular. A gente consegue medidas muito precisas, que é um dos desafios que a gente tem hoje com as imagens produzidas com técnicas tradicionais”, diz.
Outra vantagem da estrutura é não trazer um artefato metálico, como ocorre em espiras metálicas (pequenas molas utilizadas para tratar coágulos) e clipes, que acabam reduzindo a visibilidade em tomografias de cabeça e ressonâncias magnéticas devido à interação do metal com os feixes de luz. O OCT é produzido usando filamentos muito pequenos de fibras ópticas, organizadas dentro de um microcateter, que é inserido via endovenosa no cérebro.
Para Pereira, a possibilidade de utilizar o dispositivo enquanto é feito o tratamento pode dar, inclusive, novas pistas sobre como aquele evento vascular está se formando. “Às vezes os pacientes, depois de um procedimento, apresentam problemas, e não conseguimos detectá-los devido à interferência desses artefatos. No estudo, a gente colocou os dispositivos e usamos, simultaneamente, o OCT para ver como ele estava se posicionando em relação à artéria”, diz.
Segundo o médico, a resolução da imagem pode chegar até dez microns, o equivalente ao tipo de visualização em lâminas histológicas (de células) cerebrais em laboratório. “Uma parte importante deste trabalho é que também construímos um mapa de imagens de diversas artérias cerebrais, que poderá ser usado por muitos outros pesquisadores e médicos no futuro”, afirma.
O objetivo de Pereira e equipe é, agora, avançar para estudos finais com mais pacientes, mostrando a eficácia do dispositivo no tratamento de doenças vasculares cerebrais. Com isso, eles esperam poder protocolar, junto às agências reguladoras, um pedido de autorização da técnica como procedimento para o tratamento e diagnóstico de AVCs e aneurismas.
“É claro que ainda temos muito caminho pela frente, mas vários colegas brasileiros já entraram em contato após virem as nossas apresentações dos resultados. Eu acho que esse estudo vai permitir agora difundir ainda mais essa tecnologia, porque a técnica em si já era usada para condições de retina e cardiológicas, mas não tinha a tecnologia para uso cerebral. Então a publicação do estudo é mais um passo em direção a difundir ainda mais esse conhecimento”, diz.