“A memória”, escreve o neurocientista Charan Ranganath em seu novo livro “Why We Remember” (“Por que nos lembramos”, em tradução livre), “é muito, muito mais do que um arquivo do passado; é o prisma através do qual vemos a nós mesmos, aos outros e ao mundo”.
Ranganath é professor de psicologia na Universidade da Califórnia, na cidade de Davis, e passou os últimos 30 anos explorando os processos cerebrais por trás da nossa capacidade de recordar, de lembrar e de esquecer.
Ele argumenta que muitas das nossas suposições comuns sobre a memória são equivocadas; suas aparentes falhas muitas vezes surgem de seus recursos mais úteis, criando uma flexibilidade cognitiva que tem sido essencial para a nossa sobrevivência.
Ele conversou com David Robson, jornalista especializado em ciência, a respeito desse conhecimento de ponta sobre o cérebro e as maneiras através das quais podemos usar esse saber para fazer melhor uso de nossas mentes perfeitamente imperfeitas.
BBC – Seu livro está cheio de noções contraintuitivas. Vamos começar com a ideia da “aprendizagem baseada em erros”. Por que aprendemos melhor quando nos permitimos cometer erros?
Charan Ranganath – As memórias são formadas por meio de mudanças na força das conexões entre os neurônios. Algumas destas ligações não serão tão boas, enquanto outras serão mais fortes e eficazes.
O princípio da aprendizagem baseada em erros significa que, quando você tenta recuperar essas memórias, sua lembrança sempre será um pouco imperfeita.
E assim, quando o cérebro tenta extrair essa memória e você a compara com a informação real, essas redes podem enfraquecer os vínculos ruins e fortalecer os vínculos bons.
A implicação é que extrair o material que você está tentando aprender é a melhor maneira de aprender mais, porque expõe essas fraquezas e, portanto, dá ao seu cérebro a chance de otimizar essas memórias.
É por isso que técnicas de aprendizagem ativa —como dirigir por um bairro em vez de apenas procurá-lo no Google Maps, ou atuar em uma peça em vez de ler o roteiro repetidas vezes— são tão eficazes.
BBC – Muitos de nós nos sentimos frustrados com as lacunas em nossa memória, mas você propõe que o esquecimento costuma ser benéfico. Por quê?
Ranganath – Uma analogia que gosto de fazer é imaginar que vou até sua casa e questiono: Por que você não é acumulador? Por que você simplesmente não guarda tudo?
Se não esquecêssemos nada, estaríamos acumulando memórias e você nunca conseguiria encontrar o que deseja, quando deseja.
No momento, estou hospedado em um hotel e não faria sentido lembrar o número deste quarto daqui a duas semanas. Da mesma forma, pense em todas as pessoas por quem você passa na rua. Você realmente precisa memorizar todos os seus rostos?
BBC – Por que nos tornamos mais esquecidos à medida que envelhecemos?
Ranganath – O problema, à medida que envelhecemos, não é necessariamente que não possamos formar memórias, mas que não nos concentramos nas informações que precisamos lembrar.
Tornamo-nos mais distraídos e todas essas coisas fúteis surgem às custas do que importa. E assim, quando tentamos recordar essas memórias, não conseguimos encontrar a informação que procuramos.
BBC – Que estratégias podemos usar para evitar isso e melhorar a qualidade das nossas memórias?
Ranganath – Existem três princípios básicos. Um deles é a distinção. Nossas memórias competem entre si e, portanto, quanto mais você conseguir fazer algo se destacar, melhor.
Memórias vívidas associadas a imagens, sons e sentimentos únicos —são elas que vão ficar por aqui. Portanto, focar os detalhes sensoriais, em vez de ficarmos presos na cabeça, realmente nos ajuda a lembrar melhor.
A segunda estratégia é encorajar uma maior organização das suas memórias de uma forma que as torne mais significativas. No livro, discuto o método do “palácio da memória”, que envolve associar a informação que você deseja aprender com a informação que você já possui.
Em terceiro lugar, podemos criar pistas. Procurar uma memória é muito trabalhoso e algo sujeito a erros; é melhor que as memórias surjam em nossa cabeça. Criar dicas pode ajudar que isso aconteça.
Sabemos, por exemplo, que as músicas podem evocar naturalmente memórias de períodos específicos da sua vida. E há muitas outras dicas do dia a dia que você pode usar.
Se estou tentando me lembrar de levar o lixo para fora, vou me imaginar caminhando até a porta e depois olhar para a lata de lixo. Como resultado, quando eu chegar à porta na vida real, isso servirá como uma dica de que devo levar o lixo para fora.
BBC – Além de perdermos memórias, podemos eventualmente descobrir que nossas lembranças incluem detalhes falsos que não correspondem aos acontecimentos reais. Por que isso ocorre?
Ranganath – Temos “esquemas” que nos ajudam a lembrar com menos esforço.
Imagine que você acabou de ir ao banco. Você já tem muito conhecimento sobre os tipos de eventos que acontecem no banco e os tipos de coisas que não acontecem.
Isso permite restringir o alcance das informações que você precisa lembrar. Os esquemas atuam como o tecido conjuntivo que permite pegar esses novos [dados] e aplicá-los. Mas às vezes os esquemas preenchem muitos espaços em branco, com detalhes errados.
A segunda razão é que as memórias mudam com o tempo. Isso é muito importante, porque é desejável atualizar as memórias.
Se você viu um parente que não via há muito tempo e seu rosto mudou em relação à primeira vez que você o viu, você precisa criar uma memória mais precisa da aparência dele. Mas às vezes a nossa imaginação pode infiltrar-se na memória.
BBC – De que forma a memória é um processo colaborativo?
Ranganath – Quando compartilhamos memórias com outras pessoas, isso pode fazer com que as memórias sejam atualizadas. Quando estou explicando um acontecimento para você, o ato de te contar aquela história pode mudar a maneira como me lembro dela.
Suas reações à maneira como conto a história, por exemplo, moldarão minha memória dela mais tarde; pode se tornar mais engraçada.
Ou você pode até me dar algumas informações adicionais —mas errôneas— que podem penetrar na minha memória: fico confuso entre o que realmente aconteceu e o que você me disse enquanto eu explicava o que aconteceu.
Eu diria que muitas das nossas memórias já não são [puramente] nossas: são memórias coletivas.
BBC – Como sua pesquisa científica moldou sua relação com suas próprias memórias?
Ranganath – Escrever o livro, em particular, deu-me um incentivo para preservar a minha memória. Agora, estou tentando fazer exercícios regularmente e estou muito atento à minha dieta, para garantir que manterei minha saúde cognitiva na velhice.