O Ministério da Saúde do governo Lula (PT) entregou menos de 10% das vacinas atualizadas contra a Covid-19 prometidas para 2024.
Com poucas doses, a campanha tem ritmo lento e público-alvo limitado. A pasta informou na sexta-feira (5) que repassou 5,7 milhões de vacinas da nova geração desde o começo de maio.
O volume é parte dos 12,5 milhões de imunizantes da Moderna, adaptados para a variante XBB, comprados com atraso pela pasta. O plano é distribuir 70 milhões de doses até o fim do ano, mas o edital para a compra complementar nem sequer foi lançado pelo ministério.
Em nota, a Saúde afirma que o “novo processo de aquisição” está em “fase interna”. Ainda declara que irá lançar a disputa depois desta etapa.
A pasta não apontou prazo para finalizar a compra e entregar as novas doses. O ministério também não confirma quantas unidades do modelo atualizado já foram aplicadas.
Segundo a pasta comanda por Nísia Trindade, os dados “estarão disponíveis na RNDS (Rede Nacional de Dados) após ajuste de questões técnicas”.
O número de imunizantes da Moderna entregues também estão fora dos painéis públicos do site do Ministério da Saúde.
A diretora da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), Isabella Ballalai, afirma que uma campanha com restrições de doses pode aumentar a hesitação vacinal, ou seja, quando pessoas relutam ou se recusam a tomar a vacina.
“Não é só uma questão de desinformação, fake news, etc. O maior fator [da hesitação] é a falta de informação. A gente também sabe como o acesso às doses é importante. Inclusive o ministério está indo às escolas para melhorar o acesso de adolescentes”, diz Ballalai.
A médica afirma que a população deixou de perceber o perigo da doença, ainda que a Covid sido a causa de cerca de 3,9 mil mortes no Brasil em 2024.
“Há um surto de Covid no hemisfério Norte. Normalmente, na sequência tem o nosso surto. É preciso ter uma comunicação mais assertiva sobre a doença, não pode ser só quando chega a vacina. A gente tem que falar mais da Covid no país”, declara a diretora da SBIm.
A conduta negacionista de Jair Bolsonaro (PL) na pandemia e o desdém do ex-presidente pelas vacinas foram fortemente explorados por Lula na campanha eleitoral de 2024.
O atraso na compra dos imunizantes, porém, atraiu críticas a Lula feitas por integrantes da comunidade científica e profissionais de saúde.
Em abril, o site “Qual Máscara?”, que reúne informações sobre o combate ao novo coronavírus, publicou uma nota cobrando novas doses, no momento em que ainda se arrastava a primeira compra feita com a Moderna.
O ministério afirma que planejava uma compra de vacinas da Covid desde meados de 2023, mas aguardou novas versões surgirem no mercado. A Saúde abriu um processo de compra emergencial das 12,5 milhões de doses após o aval dado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), em dezembro, à vacina da Pfizer adaptada à variante XBB.
Em fevereiro, a secretária de Vigilância em Saúde, Ethel Maciel, havia dito no X, antigo Twitter, que o imunizante adaptado à variante XBB chegaria ao Brasil no mês seguinte. A ministra Nísia Trindade prometeu começar a vacinar grupos prioritários em abril.
Com o atraso, as doses começaram a ser entregues em maio.
“As 70 milhões de doses prevista, em 2024, buscam atender a população alvo, com base nos dados do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística]”, disse a Saúde.
Em nota, o conselho que representa secretários estaduais, Conass, afirmou que é “importante a manutenção da aquisição e distribuição de doses dos imunizantes contra a Covid-19, conforme planejado para o ano de 2024”.
A entidade disse que a baixa adesão preocupa, “sendo essencial que o Ministério da Saúde intensifique as ações de comunicação, de forma articulada e integrada com estados e municípios”.
O conselho dos secretários municipais, Conasems, disse apenas que segue orientações do ministério.
O governo ainda demonstra dificuldades logísticas para montar a campanha de imunização da Covid.
Como a Folha mostrou, a Saúde incinerou em 2024 cerca de 6,4 milhões de doses de vacinas contra a doença que perderam a validade. Os imunizantes descartados foram fabricados pela Janssen e usam a tecnologia de vetor viral. Esse tipo de vacina perdeu força no SUS (Sistema Único de Saúde) desde o fim de 2022, quando a Saúde passou a priorizar os imunizantes de RNA mensageiro, como da Pfizer e Moderna.
A atual gestão considera que herdou de Bolsonaro um estoque desorganizado e repleto de produtos com validade curta ou já vencidos.
A Saúde já havia perdido cerca de R$ 2 bilhões em vacinas da Covid, de diversos fabricantes, até o começo de 2023. Estes imunizantes perderam validade principalmente entre o fim de 2022 e o começo de 2023.