O Brasil enfrenta, neste ano, a pior epidemia de dengue da sua história. Com 6,1 milhões de casos prováveis no primeiro semestre, os registros da doença superam em 346% aqueles do mesmo período de 2023 —pior epidemia até então.
O aumento foi puxado por altos índices nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, que juntos concentram 93% dos casos prováveis, um total de 5,7 milhões, conforme dados do Painel de Monitoramento de Arboviroses do Ministério da Saúde.
As três regiões registraram ainda 95% das mortes por dengue no país até o último domingo (7).
A quantidade de óbitos pela doença também atingiu um número recorde nos primeiros seis meses do ano —foram 4.250 vidas perdidas. O recorde anterior havia sido registrado nos 12 meses de 2023, com 1.094 mortes.
Mudanças climáticas, circulação de vetores em novos locais e falta de preparo da saúde pública são os principais fatores apontados por especialistas para explicar a epidemia histórica.
“O mais importante, não tenho a menor dúvida, é a mudança climática. Nós tivemos no ano passado um inverno mais quente e uma antecipação das chuvas, tudo que favorece a proliferação da fêmea do mosquito Aedes aegypti [responsável por transmitir a dengue]”, diz Rosana Richtmann, infectologista do Instituto Emílio Ribas.
A região Sul, por exemplo, não tinha histórico de epidemias de dengue porque as temperaturas eram mais baixas, mas isso mudou desde 2023 pelo efeito do El Niño, diz o infectologista e pesquisador da Fiocruz Julio Croda. Ele cita também a capital Brasília, que costuma ter temperaturas mais amenas, mas registrou neste ano o pior quadro de dengue da sua história.
Nesses locais onde não havia circulação prévia da dengue, a população é ainda mais suscetível à doença, diz Alexandre Naime Barbosa, infectologista e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Botucatu.
Existem quatro sorotipos da dengue, ou seja, cada pessoa pode pegar a doença quatro vezes. Quando uma pessoa é infectada por um deles, adquire imunidade contra aquele vírus, mas ainda fica suscetível aos demais.
Em locais onde não havia circulação antes, diz Barbosa, a pessoa pode ser contaminada por qualquer um dos sorotipos.
A mesma explicação serve para explicar porque regiões mais comumente afetadas pela dengue, como Nordeste, apresentaram números baixos durante essa epidemia. Segundo Barbosa, apesar de quente, a região Nordeste não tem alto volume de chuvas —mesmo durante epidemias passadas, seus números eram baixos se comparados aos registros do centro-sul hoje. Além disso, como a doença circulou no local anteriormente, há menos suscetibilidade aos diferentes sorotipos.
Em relação aos óbitos, também número recorde, os especialistas afirmam que são proporcionais ao número de casos, mas fazem ressalvas.
“Nossa letalidade também foi maior em relação aos outros anos, ou seja, o número de óbitos dividido pelo número de casos. Geralmente uma letalidade razoável é 0,05 e a gente está batendo 0,10, quase o dobro. Isso se deve muito pela falta de preparação e de treinamento dos diversos estados”, diz Croda.
Segundo o infectologista, não houve uma coordenação adequada do Ministério da Saúde com os estados para treinar os profissionais e cobrar dos governantes os planos de contingência, como a abertura de novas unidades de atendimento.
“Sempre falo que ninguém deveria morrer de dengue. Você consegue controlar a doença desde que interfira rapidamente e faça o manejo adequado dela. Então, acho que o número mais alto de mortes em alguns locais não tem relação com o hospedeiro em si, nem com o vírus, e sim com uma questão de saúde pública —conseguir fazer o manejo adequado e ter resposta rápida”, afirma Richtmann.
A doença arrefeceu a partir de junho, mas não tem a ver com esforços coletivos, dizem os especialistas. “Arrefece todo ano nessa época. Para de chover, o tempo fica seco, os casos se concentram no primeiro semestre. Vamos ver o que vai acontecer em 2025”, diz o infectopediatra Renato Kfouri.
Desde fevereiro, o país tem recebido doses da vacina Qdenga, fabricada pela empresa japonesa Takeda e pré-qualificada pela OMS (Organização Mundial da Saúde). O Ministério da Saúde adquiriu todo o estoque disponível do imunizante, que deve continuar chegando até novembro, mas não é suficiente.
Além da Qdenga, está em produção pelo Instituto Butantan uma vacina brasileira, em fase final de testes. Em declaração feita em janeiro, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmou que a previsão é que a vacina fique pronta em setembro e que seja entregue em 2025.
A última fase de testes da vacina brasileira mostrou uma eficácia geral de 79,5% na prevenção da doença após uma única dose, de acordo com estudo disponível no periódico The New England Journal of Medicine, uma das principais publicações médicas do mundo.
Perfil das vítimas de dengue
Dados do Ministério da Saúde mostram que a maior parte dos casos prováveis de dengue registrados no semestre ocorreram entre mulheres (54,8%).
Ao todo, 49,6% das ocorrências foram identificadas em pessoas brancas, 42,5% entre pardos, 6,2% entre pretos e 0,3% entre indígenas.
A faixa etária de 20 a 29 anos concentrou a maior parte das vítimas, seguida pela de 30 a 39 anos e pela de 40 a 49 anos.