Uma pesquisa desenvolveu o protótipo de uma vacina contra diferentes tipos de gripe e, em testes preliminares com macacos, apresentou resultados positivos na proteção contra a infecção viral. O feito é importante, mas ainda prévio: outras pesquisas são necessárias para que, no futuro, a vacina seja possivelmente segura e eficaz em humanos.
A ideia de desenvolver uma vacina universal para a gripe já é debatida na comunidade científica e outros casos já foram documentados. Uma das dificuldades para atingir essa meta é que o vírus da influenza, causador da doença, passa constantemente por mutações, e por isso é necessário atualizações anuais num dos imunizantes que protege contra algumas das cepas do influenza.
“Como eles variam de ano para ano, realmente é uma corrida sem fim. Num ano, você induz uma imunidade, no ano que vem uma outra”, afirma o professor Ricardo T. Gazzinelli, coordenador do Centro de Tecnologia de Vacinas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisador sênior da Fundação Oswaldo Cruz de Minas Gerais.
Além disso, o vírus causa sérios problemas na saúde global, como pandemias de influenza —nos últimos 100 anos, já foram quatro. Atualmente, essa preocupação é relacionanda com a gripe aviária, com alguns casos recentes da doença até já registrados em humanos.
Por essa razão, uma vacina que consiga proteger contra uma grande variedade de cepas é um modo de barrar a disseminação da doença. Para contornar o dilema envolvendo a constante mutação do influenza, o novo estudo, veiculado na revista Nature Communications e assinado por cientistas norte-americanos, focou em proteínas internas de vírus da gripe, já que elas são conservadas mesmo em diferentes cepas, e com a proteção conferida por células T, um dos mecanismos do sistema imune para combater patógenos que não é baseado somente nos elementos mutantes do vírus.
A ideia da vacina é baseado em um citomegalovírus, que, depois de ser atenuado e modificado, carrega também o antígeno da cepa H1N1 de 1918 —aquela que causou a gripe espanhola— por meio de três proteínas internas do vírus. Esse método de produção de vacinas já é conhecido no meio científico: ele foi adotado na vacina contra Covid-19 produzida pela Astrozeneca e Universidade de Oxford.
Os pesquisadores da nova pesquisa escolheram a cepa da gripe espanhola porque queriam observar se, mesmo sendo baseada em uma cepa com mais de 100 anos dos primeiros registros, a vacina ainda poderia conferir proteção para variantes recentes.
E para checar se esse foi o caso, os cientistas infectaram macacos com a cepa H5N1, um tipo de gripe aviária registrada inicialmente em 2004. Novamente, a escolha não foi aleatória. Os autores da pesquisa apontam os riscos que a gripe aviária traz para a saúde humana, como no possível aparecimento de uma pandemia.
Depois da infecção dos animais, eles foram monitorados. Alguns deles haviam sido anteriormente imunizados com o modelo experimental da vacina, e outros não tiveram acesso a proteção —formando assim grupos controle e experimental.
Então, se comparou a evolução da infecção entre esses dois segmentos. Todos os seis macacos sem a proteção morreram em sete dias, com indícios de problemas respiratórios, enquanto, no outro grupo, 6 de 11 sobreviveram —ou seja, um pouco mais da metade.
Os dados são animadores, principalmente quando se considera que a proteção foi conferida a uma cepa que não foi aquela da qual a vacina foi desenvolvida. Além disso, Gazzinelli, que não teve relação com o estudo publicado, afirma que a vantagem de um imunizante como esse é a diminuição de atualização do fármaco. “Do ponto de vista industrial, você não tem que refazer a vacina a cada ano”, diz.
Mas novas investigações ainda são necessárias. Essa primeira pesquisa ainda está em fase pré-clínica, que é quando ainda não existem testes em humanos. Por isso, ainda é necessária trabalhar mais no produto para, então, realizar normalmente três fases de estudos em seres humanos de modo a entender a segurança e a eficácia do imunizante. Só depois disso, talvez a vacina seja disponibilizada para nossa espécie.