A dose diária de um antibiótico amplamente utilizado pode prevenir algumas infecções como sífilis, gonorreia e clamídia, se tornando potencialmente uma nova solução para a crescente crise de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), relatam cientistas.
O estudo desenvolvido por eles foi pequeno e precisa ser confirmado com mais pesquisas. Questões significativas ainda precisam ser resolvidas, como se as ISTs podem se tornar resistentes ao antibiótico e qual efeito ele pode ter nas bactérias intestinais saudáveis em pessoas que o tomam todos os dias.
A abordagem seria recomendada principalmente para pessoas com risco elevado de infecções sexualmente transmissíveis durante certos períodos, disse Jeffrey Klausner, médico infectologista da Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos, que não estava envolvido no novo trabalho.
“O número de pessoas que realmente vão receber a droga e tomar isso ainda é pequeno”, afirmou. “Em geral, quanto mais escolhas tivermos para as pessoas e mais opções de prevenção, melhor.”
Os resultados foram apresentados em uma conferência da Sociedade Internacional de Aids, em Munique, na Alemanha.
Os EUA agora têm a maior taxa de novas infecções por sífilis desde 1950, relatou o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) em janeiro. Em 2022, o último ano para o qual há dados disponíveis, houve 1,6 milhão de casos de clamídia e quase 650 mil novos casos de gonorreia.
Estudos anteriores mostraram que a doxiciclina reduz substancialmente o risco de novas infecções se tomado dentro de 72 horas após sexo desprotegido. Os centros agora recomendam a tomar o antibiótico após “sexo oral, vaginal ou anal”.
A recomendação se aplica apenas a homens gays, bissexuais e mulheres transgênero que tiveram uma IST no ano anterior ou que podem estar em risco de desenvolver. Não há evidências suficientes de que a estratégia, chamada doxy-PEP, funcione para outros grupos, concluiu a agência.
O novo estudo adotou uma abordagem diferente, buscando prevenir infecções com uma dose diária do medicamento, o que pode ser melhor para indivíduos com exposição frequente.
Alguns fornecedores sugeriram que os pacientes podem se recusar a tomar antibióticos todos os dias. Mas muitos disseram aos pesquisadores que seria mais fácil para eles se lembrarem de tomar uma dose diária junto com uma pílula para prevenção ou tratamento do HIV, disse Troy Grennan, que lidera o programa de HIV no Centro de Controle de Doenças de Vancouver, no Canadá, que liderou o estudo.
“Os profissionais de saúde e pesquisadores fazem muitas suposições sobre o que a comunidade prefere, e muitas vezes estão errados”, informou.
Um estudo de 2015 analisou o uso diário de doxiciclina antes do sexo para prevenir ISTs em homens gays e bissexuais portadores de HIV, mas a amostra era pequena e não havia grupo placebo.
Inspirados por esse estudo, Grennan e sua equipe testaram a abordagem em 41 homens gays e bissexuais em Toronto e Vancouver. Os homens já estavam tomando uma pílula diária para tratar o HIV, e eles adicionaram 100 miligramas de doxiciclina a cada dia por 48 semanas.
Os pesquisadores testaram os homens para ISTs a cada três meses e monitoraram a resistência microbiana ao antibiótico. Eles descobriram que a doxiciclina diária cortou a taxa de infecções por sífilis em 79%, clamídia em 92% e gonorreia em 68%.
Desde então, a equipe encontrou resultados semelhantes em homens gays e bissexuais e mulheres trans que não têm HIV.
Grennan disse que ficou surpreso ao ver que a estratégia funcionou tão bem contra a gonorreia, porque cerca de 60% dos casos no Canadá são resistentes às tetraciclinas, uma classe de antibióticos que inclui a doxiciclina.
Um estudo semelhante na França, onde a taxa de resistência à gonorreia é de 65%, descobriu que a doxiciclina após o sexo não preveniu novos casos. A exposição constante ao antibiótico pode ser mais eficaz do que uma única dose que cai rapidamente, disse Klausner.
Consistente com estudos anteriores, o uso de doxiciclina para prevenir ISTs não pareceu aumentar a resistência microbiana ao antibiótico. Mas o estudo era muito pequeno para ter certeza, alguns especialistas alertaram.
A abordagem “exigiu que os participantes tomassem consideravelmente mais antibióticos”, disse Jonathan Mermin, diretor do departamento de ISTs do CDC.
Grennan e seus colegas pretendem recrutar 560 homens e mulheres trans com e sem HIV para comparar se a doxiciclina tomada todos os dias é tão eficaz quanto o antibiótico tomado apenas quando necessário após o sexo.
Outro estudo na conferência sugeriu que pacientes que tomam pílulas para prevenir a infecção pelo HIV não têm mais probabilidade de contrair ISTs se forem examinados duas vezes por ano em vez de quatro vezes anualmente, como é recomendado.
A frequência reduzida pode ser mais aceitável e prática para os pacientes e pode aumentar a adesão aos tratamentos preventivos contra o HIV, disseram os pesquisadores.
O estudo, na Holanda, acompanhou 448 homens gays e bissexuais em Amsterdã, Roterdã, Haia e Nijmegen que estavam tomando pílulas preventivas de HIV por 18 meses. Cerca de metade estava programada para ser rastreada para ISTs a cada três meses e a outra metade a cada seis meses.
Alguns participantes no grupo de seis meses procuraram testes de IST entre as visitas clínicas planejadas. Mesmo assim, suas visitas gerais foram menores do que as do grupo de três meses. No entanto, a taxa de infecções no grupo de seis meses foi apenas um pouco maior.
O rastreamento frequente de ISTs é “oneroso” para muitos pacientes, especialmente para aqueles que podem precisar se ausentar do trabalho ou viajar longas distâncias, disse Marije Groot Bruinderink, uma estudante de pós-graduação da Universidade de Amsterdã que liderou o trabalho.
Exames mais frequentes também podem levar ao tratamento excessivo, especialmente de casos assintomáticos de clamídia e gonorreia, que podem desaparecer por conta própria, observou Klausner.
As clínicas de saúde sexual financiadas publicamente nos Estados Unidos estão sobrecarregadas e não têm pessoal ou tempo suficiente para diagnosticar e tratar casos mais urgentes de ISTs, incluindo sífilis em mulheres grávidas, muito menos casos assintomáticos, disse ele.
Embora infecções assintomáticas possam causar danos duradouros aos pacientes, incluindo infertilidade, não há evidências de que exames e tratamentos frequentes para clamídia e gonorreia diminuam as taxas na população em geral, disse Klausner.