A vacina contra a dengue do Instituto Butantan manteve a eficácia e o perfil de segurança no período de 3,7 anos, segundo os resultados do estudo clínico no Brasil divulgados na última segunda-feira (5) no periódico científico The Lancet Infectious Diseases.
Mais importante, o imunizante mostrou uma proteção elevada (89%) contra os casos de dengue grave ou dengue com sinais de alerta, independentemente de maior risco de hospitalização.
“Os resultados confirmam a eficácia de somente uma dose da nova vacina da Dengue do Instituto Butantan, agora com 3,7 anos de acompanhamento”, afirma Esper Kallás, diretor do instituto e coordenador da pesquisa.
A dengue é uma doença viral em sua maioria dos casos leves, mas a ocorrência de uma segunda infecção por outro sorotipo pode levar a casos graves. Existem quatro sorotipos do vírus (1, 2, 3 e 4), e a pessoa infectada por um tipo pode ainda contrair uma nova infecção pelos outros três.
Este ano, o Brasil registrou 6,49 milhões de casos de dengue, segundo o Painel de Monitoramento de Arboviroses do Ministério da Saúde, com 5.008 mortes, até esta terça.
Para Maurício Nogueira, virologista e professor da Faculdade de Medicina de Rio Preto e primeiro autor do estudo, esse é um dado importante porque o impacto na saúde pública dos casos graves —e hospitalizações— é o que sobrecarrega o sistema. “No primeiro acompanhamento, de dois anos, não tínhamos casos confirmados de dengue grave, e agora temos, com uma proteção de quase 90%, então isso é muito bom”, afirma.
No estudo, foram incluídos 16.235 participantes de 2 a 59 anos entre 22 de fevereiro de 2016 e 5 de julho de 2019 que não haviam sido previamente vacinados contra a dengue para receber aleatoriamente a vacina, de dose única, ou uma injeção contendo uma substância placebo (inócua). A primeira análise dos participantes, divulgada no começo do ano, indicou uma eficácia de quase 80% (79,5%) da vacina em proteger contra uma infecção pelo vírus da dengue em até dois anos.
O novo artigo traz a segunda análise do ensaio, com a média de acompanhamento de 3,7 anos (2 a 5 anos), e apresentou uma leve diminuição na eficácia geral da vacina, de 67,3% para os tipos 1 e 2 combinados. Contra a dengue tipo 1, a eficácia foi maior, de 75,8%, e de 59,7% contra o tipo 2. Não houve eficácia para os tipos 3 e 4 porque não foram detectados casos desses sorotipos no período.
“Dada a alta eficácia contra o tipo 1, e considerando que a vacina utiliza os três tipos 1, 3 e 4 inteiros [e um pedaço do tipo 2], nós podemos esperar, é claro que não é certeza, mas é uma expectativa bem plausível, de que a eficácia contra esses dois tipos [3 e 4] também seja elevada”, explica Nogueira.
Além disso, o acompanhamento por um período mais longo permitiu intensificar a análise sobre o perfil de segurança do imunizante. Apenas 6,2% dos participantes reportaram efeitos adversos da vacina, similar ao do grupo que recebeu o placebo (6,6%).
“A vacina do Butantan apresenta uma maior proteção por mais tempo e em dose única. E o mais importante, nesse período, de 3,7 anos, foi quando as outras vacinas começaram a apresentar problemas de segurança, e nós não observamos nenhuma alteração. É um dado extremamente positivo”, avalia.
O que faltam agora, diz o pesquisador, são dados de eficácia na população acima de 60 anos, que é um grupo de alta vulnerabilidade para a doença, com muitos óbitos e maior risco de hospitalização.
É a primeira vez que uma vacina contra a dengue atinge esse patamar, uma vez que os dois outros imunizantes já licenciados no mundo —a Dengvaxia, da Sanofi e a Qdenga, da Takeda— não atingiram a segurança primária no acompanhamento de até cinco anos. No caso da primeira, foram identificados problemas no seu uso relacionados a indivíduos naive (isto é, que não tinham anticorpos prévios contra o vírus), provocando um efeito adverso grave naqueles que nunca tiveram a doença.
Já a Qdenga acompanhou os participantes do seu estudo global por 4,5 anos, mas os dados apresentados até agora não foram suficientes para garantir que não ocorra um fenômeno conhecido como ADE (aumento dependente de anticorpo, na sigla em inglês), quando uma reação exacerbada à própria vacina provoca um ataque das células imunes ao próprio organismo.
A expectativa do Butantan é, agora, encaminhar os novos dados para análise da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para aprovação do imunizante pelo órgão até o final deste semestre, afirma Kallás.
Pesquisadores reforçam esperança da vacina em editorial
Em um comentário publicado na mesma edição da revista The Lancet Infectious Diseases, os pesquisadores Annika B Wilder-Smith, do Hospital John Radcliffe da Universidade de Oxford (Reino Unido), David Freedman, da Universidade do Alabama em Birmingham (EUA) e Annelies Wilder-Smith, do departamento de Imunização, Vacinas e Biológicos da OMS, em Genebra (Suíça) ressaltaram a importância da nova pesquisa.
Os autores dizem que “uma vacina da dengue que é igualmente imunogênica [induz proteção via anticorpos] e eficaz contra os quatro sorotipos” iria suprir uma necessidade urgente de saúde pública global. No entanto, estudos incluindo adultos e crianças em contextos globais foram escassos nos últimos anos.
Em 2016, com o início dos ensaios clínicos no Brasil, a vacina do Butantan se mostrou promissora por ser o primeiro estudo a incluir indivíduos de 18 a 59 anos. Os resultados de eficácia após dois anos de acompanhamento “já foram satisfatórios, mas o acompanhamento de 3,7 anos permitiu estratificar alguns dos dados por análise do sorotipo, idade e gravidade da doença”, chegando ao “resultado encorajador de 89% de eficácia” contra a dengue grave. Mas faltam dados em outros cenários –e a vacina do Butantan está atualmente em teste em Bangladesh e em outros países para preencher essa lacuna.
Por fim, eles dizem que, embora antecipados os dados do acompanhamento de cinco anos, a vacina do Butantan ainda pode demorar algum tempo até ficar disponível amplamente, assim como faltam doses da vacina Qdenga no mundo, enquanto a Dengvaxia encontra-se atualmente indisponível. “Os resultados da vacina do Butantan contra os tipos 3 e 4 são aguardados, inclusive para avaliar a maior duração da proteção e também desconsiderar qualquer sinal de risco à segurança do imunizante em um longo período de tempo.”