O número de mortes maternas no Brasil em 2022 caiu para o menor índice em 22 anos (isto é, desde 2000).
O número de mortes foi de 1.397. No ano anterior, em 2021, ano da pandemia, atingiu o pico de 3.058.
Os dados são de um levantamento feito pelo Observatório da Saúde da Umane a partir de dados do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), do DataSUS. A Umane é uma associação isenta e sem fins lucrativo de apoio a iniciativas no âmbito da saúde pública.
Segundo o painel, a taxa nacional de mortalidade materna (óbitos que ocorrem durante a gravidez ou até 42 dias após o parto) em 2022 foi de 54,5 a cada cem mil nascidos vivos. Em 2021, pior ano da pandemia, chegou a 117,4 e, no ano anterior, 74,7.
Para fins de comparação, os Estados Unidos tiveram um aumento também significativo da taxa de mortalidade materna nas últimas duas décadas, segundo o Unicef (Fundação das Nações Unidas para a Infância), passando de 12, em 2000, para 21 a cada cem mil nascidos vivos, em 2020. Em 2021, o país registrou a maior taxa, de 33.
Não é a primeira vez que o Brasil registra a queda, mas existe uma desigualdade regional e de raça/cor das mortes. Enquanto unidades da federação como Santa Catarina (33,6), Distrito Federal (36,2) e Rio Grande do Sul (39,7) têm as menores taxas, Roraima (145,2), Sergipe (98,2), Tocantins (88,7) e Piauí (87,6) têm as mais altas.
Já a proporção de mortes é de 67,1% (937) entre pretas e pardas e 29,5% (412) brancas.
Para Evelyn Santos, gerente de parcerias e novos projetos da Umane, enquanto a taxa nacional pode ter caído —dentro dos Objetos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU, que é de 70 por cem mil—, nos países de renda mais alta essa queda já está mais consistente há anos. “Nos países de alta renda, a mortalidade materna diminui de forma consistente nesse período [de 2000 a 2022] e fica lá embaixo, enquanto nos países de média renda, como o Brasil, reduziram mas continuam em um patamar ainda alto”, explica.
Vendo as diferenças regionais, a pesquisadora ressalta que, embora o indicador tenha melhorado de 2021 para 2022, a maioria dos estados não conseguiu atingir patamar igual ou menor àquele pré-pandemia. “Mas o ideal para morte materna, é claro, seria zero, porque de 75% a 90% [alguns estudos estimam em 75%, outros 90%, dependendo dos fatores] das causas de morte materna são evitáveis”, diz.
Quando diz que muitas mortes são evitáveis, Santos lembra que algumas das principais causas que levam à morte de mulheres em idade materna são doenças infecciosas, como HIV/Aids, malária e hepatites virais, hemorragias durante o parto e outras condições, como pré-eclâmpsia e diabetes. Outras condições têm relação com a falta de pré-natal adequado.
Paulo Lotufo, professor de epidemiologia na Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e superintendente de saúde da universidade, explica que historicamente as mulheres negras são as que têm a pior mortalidade dentre todos os níveis sociodemográficos, e isto está associado não somente à raça, mas à condição econômica.
“Em São Paulo mesmo nós temos índices de mortalidade bem discrepantes para doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, entre o Grajaú [bairro da periferia na zona Sul] e Alto de Pinheiros. E a mulher negra sempre está em uma situação pior”, diz.
Ele vê com uma ressalva, no entanto, a análise de mortes causadas por DCNTs (doenças crônicas e não transmissíveis), porque muitas vezes há um preenchimento incorreto do atestado de óbito. “Um homem de 70 anos que morrer por hipertensão, provavelmente é um mal preenchimento, já que nessa faixa etária 70% da população tem hipertensão, e é uma causa associada. Agora uma mulher jovem, de 25 anos, em idade materna, morrer de hipertensão, isso sim é um problema porque exemplifica um problema maior, de falta de atenção no pré-natal”, afirma.
Outro fator lembrado pelos especialistas para a alta das mortes maternas, principalmente em estados do Norte, são as altas taxas de gravidez infantil na região. Roraima tem a taxa mais elevada de gravidez de meninas de 10 a 14 anos.
“Temos que pensar que se essa menina tem uma gestação, e provavelmente é devido a uma violência sexual, porque para a legislação até os 14 anos é estupro de vulnerável, você tem já uma situação em que aquela menina está muito vulnerabilizada. E não dá para esperar que ela tenha acesso ao pré-natal adequado”, diz Lotufo.
Para santos, as desigualdades também no acesso ao pré-natal agravam esse problema, já que um terço das mulheres no país apenas faz de 1 a 6 consultas, enquanto o recomendado são 7 ou mais.
“É preciso repensar como utilizamos as soluções de acesso à saúde regionais para prevenir e controlar as complicações, sejam elas gestacionais ou após o parto, ou seja, todas as mulheres, em todas as situações, independentemente da cor da pele, do local onde vivem ou da situação econômica, tenham acesso às mesmas condições e serviços de saúde”, finaliza.
Esse projeto é uma parceria com a Umane, associação que apoia iniciativas no âmbito da saúde pública
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