O Qarziba, remédio contra neuroblastoma, um tipo raro e agressivo de câncer cujo tratamento pode ultrapassar os R$ 2 milhões, teve aval para ser incorporado ao SUS (Sistema Único de Saúde) na segunda (2), mas o Ministério da Saúde ainda não informa em quanto tempo o medicamento chegará à população.
Em nota, a pasta afirma aguardar a conclusão de um relatório da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias) para só então formalizar a inclusão do medicamento no SUS. Após a conclusão do documento, o ministério ainda tem 180 dias, prorrogáveis por mais 90, para analisar o parecer.
Segundo a Saúde, o documento está em fase final, mas não detalha em quanto tempo estará concluído para avaliação.
O neuroblastoma é um câncer que afeta majoritariamente crianças e adolescentes, em especial aquelas abaixo dos cinco anos. O tumor se manifesta no tórax, abdômen ou pelve e causa paralisia quando próximo à coluna vertebral.
O INCA (Instituto Nacional do Câncer) calcula que a doença avança para o estágio avançado em 50% dos casos, quando entra em metástase e se propaga pelo organismo — e apenas cerca de 15% destes pacientes sobrevivem.
O Qarziba é indicado após o fim da cirurgia, quimioterapia, radioterapia ou transplante de medula óssea contra o neuroblastoma. O medicamento estimula o sistema imunológico a combater células cancerígenas residuais e diminuir o risco de retorno da doença.
De acordo com o Ministério da Saúde, estudos mostram que o Qarziba aumenta em 34% a chance de sobrevida deste tipo de câncer. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) liberou o registro do medicamento em 2021.
As negociações para tê-lo no SUS começaram em janeiro, quando a comissão negou uma proposta do laboratório devido aos altos custos, mas iniciou novas conversas para obter descontos para o governo. A Folha fez contato com a equipe do laboratório italiano Recordati, responsável pela produção do Qarziba, mas não teve resposta até o fechamento da reportagem.
Na nova avaliação, a Conitec recomenda que o parecer seja mantido caso a farmacêutica mantenha o desconto acertado, cujo valor ainda não foi formalizado junto ao Ministério da Saúde, que terá a palavra final na adesão ao medicamento.
Segundo o ministério, 55 pacientes usam o Qarziba no Brasil por ano. Ausente da lista do SUS, o acesso ainda é feito pela rede privada com a ajuda de “vaquinhas” ou por meio de ações judiciais.
A analista de sistemas Laira Inácio, mãe de Ana Júlia, entrou na Justiça em busca do Qarziba após a filha, em metástase, ser submetida à quimioterapia, radioterapia e cirurgia para retirar o tumor. O neuroblastoma foi descoberto quando Ana tinha 7 anos.
O medicamento foi negado à criança pelo plano de saúde devido aos altos custos e por estar fora da lista Anvisa e do SUS na ocasião. Cinco meses após o início da ação, a Justiça obrigou o plano a custeá-lo e Ana ficou 45 dias internada para o primeiro ciclo da medicação.
Segundo Laira, a filha apresentou melhoras mas, devido à demora, morreu prestes a completar 10 anos de idade em agosto de 2023. “Você fica em uma panela de pressão contra o tempo para tentar salvar uma vida”, afirma.
Laira comemorou a inclusão do remédio nas redes sociais, mas se preocupa com a extensão dos prazos para a análise. “Enquanto não chega [no Ministério], não corre o prazo e são vidas de crianças em risco”, diz.
O Qarziba entra na lista de medicamentos de alto custo pressionados por ações judiciais e protestos de famílias para integrar o SUS. É o caso do Zolgnesma, remédio considerado mais caro do mundo contra AME (atrofia muscular espinhal) tipo 1, com preço máximo de venda ao governo negociado em R$ 6,2 milhões, que foi incorporado em dezembro de 2022 e ainda não está disponível.
Nestes casos, a produção é paga individualmente após apresentar resultados positivos entre pacientes. O Ministério da Saúde ainda não informa se o mesmo modelo pode ser usado para o Qarziba.
Apesar do entrave com o Zolgnesma, a professora de medicina da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Carisi Anne Polanczyk, especialista em economia da saúde, afirma que o acordo garante custo-benefício aos cofres públicos ao permitir colher resultados de eficácia e compras de acordo com a demanda.
A pesquisadora afirma que, mesmo se o Qarziba for integrado ao SUS, ainda será preciso decidir como custeá-lo. “A solução seria uma proposta tripartite, onde o município, estado e, em maior parte o governo federal, paguem por esses tipos de medicamentos [de alto custo]”, diz.
Segundo ela, prefeituras e governos estaduais podem afirmar não ter dinheiro e gerar novas ações na Justiça e atrasos até os pacientes, em especial se for estabelecido um preço fixo para o medicamento no país. “Nós temos exemplos de que um medicamento com parecer favorável pode demorar até 350 dias para chegar até o sistema”, diz.
Para a chefe de oncologia pediátrica do INCA, Sima Ferman, o cálculo precisa considerar o bem-estar das crianças, apesar dos altos custos. “É só pensar no sofrimento que é todo o processo de uma criança morrer de forma avançada, refratária. Nenhuma criança merece morrer sem necessidade se tem um medicamento que melhora a sobrevida da criança. Não é ético não oferecer”, afirma.