Os hospitais privados da cidade de São Paulo reduziram as taxas de cesárea em cinco anos (2015-2019) graças ao Programa Parto Adequado, da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), aponta estudo da USP (Universidade de São Paulo).
Embora uma redução tenha sido notada em hospitais privados em geral, a pesquisa mostra que, nas unidades incluídas no programa, a redução foi de 13,7%, enquanto nos hospitais que não aderiram, esse número foi de 3,4%. Os dados estão em artigo científico publicado nesta quarta-feira (18) na revista “Cadernos de Saúde Pública”.
O Brasil é o segundo país que mais realiza cesáreas no mundo, com cerca de 60% dos nascimentos. A taxa supera ainda 80% na rede privada de saúde, número muito superior aos 15% máximos recomendados pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
A redução mais significativa na proporção em hospitais que adotaram o programa ocorreu a partir de 2018. Mesmo assim, em 2019 a taxa do procedimento foi de aproximadamente 72%, bem acima da taxa esperada pelos pesquisadores de cerca de 45%, estimada de acordo com modelagem matemática.
O estudo retrospectivo comparou as taxas de cesárea em hospitais paulistanos que adotaram o programa desde a sua primeira fase, com as que não o implementaram em momento nenhum. Foram incluídos todos os nascimentos ocorridos no período de maternidades selecionadas a partir das bases de dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e considerado o período anterior a 2020 para evitar a possível interferência da pandemia nas taxas de cesariana.
Ao todo, foram registrados 277.747 nascimentos nessas maternidades no período analisado, dos quais 77% foram por cesárea. Segundo os cálculos, no ano anterior à implementação do programa, não houve redução na chance de uma mulher optar pela cesárea, mas foi observada uma tendência constante de redução após 2014, independente de idade, raça, estado civil ou escolaridade da gestante.
O trabalho mostrou ainda que as chances de fazer cesárea foram maiores entre mulheres com mais de 20 anos, brancas e com união estável. Gestantes com 12 anos ou mais de estudo apresentaram chance 4% menor de realizar o procedimento em comparação àquelas com menor escolaridade.
A cesárea é uma cirurgia que salva vidas quando existem problemas na gravidez ou no parto, mas seu uso sem indicação está relacionado a complicações a curto e longo prazo e a um aumento nos gastos com a saúde, aponta a autora principal Andrea Campos.
“Através de dados que correlacionam acesso a saúde e resultados perinatais de diferentes países, a OMS concluiu que taxas maiores de 20% estão relacionadas a indicações não médicas e ao aumento de morbidade e mortalidade de mulheres e recém-nascidos. Há um maior risco de hemorragia pós-parto, infecção, lesão de órgãos da mulher, riscos inerentes da anestesia, risco de prematuridade e de complicações em uma próxima gravidez.”
A ideia do estudo era medir a efetividade do Programa Parto Adequado (PPA), lançado em 2015 pela ANS para reduzir a incidência de cirurgias cesarianas sem indicação clínica e promover o parto normal, com a ideia de aprimorar a assistência obstétrica.
O programa foi resultado de uma ação civil pública ocorrida no Estado de São Paulo após uma denúncia acerca das elevadas taxas de cesárea encontradas no setor privado.
A proposta do PPA incluiu ações educativas, treinamento e conscientização de profissionais de saúde e de usuárias e foi dividida em três fases. Para o estudo, só foram considerados os 35 hospitais que estiveram na fase piloto, entre 2015 e 2016.
Essa é a primeira vez que se comparam dados entre maternidades de hospitais privados que aderiram ou não aderiram ao Programa Parto Adequado.
Segundo Campos, esse problema é multifatorial e envolve desde a comodidade da cesárea e uma maior remuneração para os médicos que fazem cesariana até o medo do parto normal. “Existe muito medo quando não se conhece esse novo modelo de assistência baseado em evidências científicas que envolve uma busca por uma experiência positiva de parto”, afirma.
“O modelo de atenção ao parto no setor privado é centrado na figura do médico, responsável pela condução do pré-natal, parto e puerpério mesmo das mulheres de risco habitual, sem a participação efetiva de enfermeiras obstétricas. Esses profissionais atuam com autonomia, nem sempre seguindo os protocolos assistenciais baseados em evidências científicas”, diz ainda conclusão do estudo.
Já a redução geral nas cesarianas nos últimos anos pode estar relacionada à disseminação entre mulheres e profissionais de práticas assistenciais e recomendações baseadas em evidências científicas.
Outros artigos estão sendo preparados pela mesma equipe com análises de dados de mulheres que buscaram o parto normal, a partir de protocolos baseados em evidências científicas.
“Os resultados do estudo mostraram que políticas públicas bem conduzidas e o envolvimento das mulheres e de profissionais podem mudar o cenário da atenção ao parto e nascimento”, completa a pesquisadora.
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