Psicodélicos: Terapia com MDMA pode atrasar cinco anos – 23/09/2024 – Virada Psicodélica – Zonatti Apps

Psicodélicos: Terapia com MDMA pode atrasar cinco anos – 23/09/2024 – Virada Psicodélica

A promessa de psicoterapia assistida por psicodélicos (PAP) não morreu com a decisão da agência norte-americana FDA, em agosto, rejeitando o tratamento de transtorno de estresse pós-traumático com MDMA (ecstasy). Ao que parece, ela só foi adiada –por meia década, talvez.

A previsão partiu de Sam Clark, executivo da empresa Terran Biosciences, para o boletim InsideHealthPolicy. A expectativa é que a empresa Lykos Therapeutics, que teve seu pedido de licença recusado, aceite realizar um novo teste clínico, como exigido pelos reguladores da FDA, em lugar de contestar a decisão negativa.

A rejeição foi golpe duro para a Lykos, que demitiu três quartos de seu pessoal após o fiasco. Entre os dispensados estava Amy Emerson, que presidia a companhia. Em seu lugar ficou Michael Mullette, antes responsável pela área de operações, que tem 19 anos de experiência em farmacêuticas como Moderna e Sanofi.

A empresa contratou como diretor médico outro executivo tarimbado na área, David Hough. Ele conduziu com sucesso a aprovação pela FDA do medicamento Spravato da Janssen, uma variante inalável do anestésico dissociativo cetamina (ou ketamina) indicada para tratar depressão.

O revés na FDA, essas alterações na direção da Lykos e declarações de outros executivos do ramo indicam uma tendência a dissociar drogas psicodélicas (MDMA, psilocibina, DMT) de sessões de psicoterapia. Ou seja, abandonar a própria ideia de PAP em favor de uma abordagem farmacológica mais tradicional, na linha das pílulas antidepressivas hoje disponíveis para uso continuado.

Mesmo com o tropeço, investidores seguem carreando recursos para empresas de pesquisa psicodélica, cerca de US$ 600 milhões no primeiro semestre e a caminho de US$ 1 bilhão neste ano, segundo o boletim Psychedelic alpha. Projeta-se um mercado potencial de US$ 7,35 bilhões em 2031 para medicamentos psicodélicos.

Cabe lembrar que há dois outros testes clínicos de fase 3 em andamento, mas tendo a psilocibina (psicodélico dos cogumelos “mágicos”) como alvo para tratar depressão. Um deles é da empresa Compass Pathways; o outro, do Instituto Usona, que não tem fins lucrativos. Não se espera uma aprovação pela FDA antes de 2026, contudo.

Como alternativa à FDA e ao chamado modelo biomédico, prospera a via aberta em 2020 pelo Oregon, quando o eleitorado aprovou em referendo a criação de serviços de psilocibina no estado norte-americano. Em lugar de psiquiatras prescreverem comprimidos, como se pode fazer na Austrália e no Canadá, nesse caso facilitadores licenciados fornecem sessões com a droga, em locais cadastrados, sem indicação médica.

Dois anos depois, foi a vez do Colorado aprovar legislação para liberalizar psicodélicos. O próximo estado na fila de consultas populares para permitir o uso adulto dessas substâncias, na eleição de novembro, é Massachusetts, com petição para adotar uma Lei de Substâncias Psicodélicas Naturais. Outros estados vão na mesma direção, mas sem referendos, e sim por iniciativa parlamentar, como Califórnia e Nova Jersey.

Artigos científicos sobre aplicações clínicas de psicodélicos também continuam saindo e repercutindo, como neste editorial da revista Science. Nas últimas semanas, foram publicadas três revisões sistemáticas sobre essas drogas, estudos que agrupam resultados de diversos ensaios clínicos para verificar se concordam entre si e com que grau de certeza.

A primeira revisão, sobre o uso de PAP para tratar depressão e ansiedade em pessoas com doenças terminais, apareceu no sistema Cochrane, um dos bastiões da chamada medicina baseada em evidências. Conclusão: psicodélicos clássicos como psilocibina e LSD podem reduzir sintomas, mas o uso de MDMA para tal finalidade ainda está cercado de incertezas.

Outra meta-análise saiu num periódico da associação médica dos EUA, Jama Psychiatry, e tratou da ocorrência de efeitos adversos de psicodélicos. Entre 3.504 voluntários saudáveis que participaram de ensaios clínicos, nenhum evento severo foi reportado, e só 4% entre aqueles com transtornos neuropsiquiátricos pré-existentes.

A terceira e menos conclusiva revisão, sobre microdosagem de psilocibina, apareceu no Journal of Psychopharmacology. O uso de doses subclínicas, ou seja, incapazes de desencadear efeito psicodélico, duas ou rês vezes por semana, se espalhou com a fama de incrementar desempenho cognitivo, mas o artigo afirma que a evidência é escassa.

Muita água ainda vai rolar sob a ponte avariada pela FDA até a próxima conferência Psychedelic Science, que se realizará de 16 a 20 de junho de 2025 em Denver, Colorado. Será em clima bem menos triunfal que a de 2023, na mesma cidade, quando se dava como certa a aprovação de MDMA para estresse pós-traumático.

A reunião, que no ano passado atraiu mais de 12 mil participantes, é organizada pela Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps), a ONG fundada em 1986 da qual se desmembrou a Lykos. Rick Doblin, estrela de 2023, também se desligou do conselho da empresa e hoje critica o rumo tomado pelo campo empresarial, como sua tendência a desistir de combinar MDMA com psicoterapia.

Em 6 de setembro, um mês após recusar pedido da Lykos, a FDA realizou sessão pública sobre avanços no tratamento de transtorno de estresse pós-traumático, ausentes há um quarto de século. Como seria de prever, a rejeição da terapia com MDMA voltou à baila, inclusive com testemunhos de especialistas próximos da Maps.

Após a reunião, um dos mais enfáticos sobre o potencial dessa droga foi o psiquiatra Dave Rubin. “A terapia com MDMA foi uma das descobertas mais importantes em saúde mental, comparável à descoberta de antibióticos”, afirmou numa entrevista coletiva.

“Foi um momento revolucionário, e penso que, ao final, ela prevalecerá. Sempre há resistência a novas ideias, mas os benefícios desse tratamento se tornarão claros.”

Quem sobreviver aos próximos cinco anos verá.


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