O Brasil teve o custo direto de mais de U$ 1,3 bilhão (cerca de R$ 7,36 bilhões na cotação atual) entre 2015 e 2022 com a tuberculose, aponta artigo publicado na revista científica The Lancet Regional Health.
Do valor investido ao longo do período de sete anos analisados, U$ 23,5 milhão (R$ 133 milhões) foram destinados ao retratamento de pacientes. A pesquisa levou em conta investimentos com profissionais da saúde, medicação, exames laboratoriais e duração do tratamento, dados retratados no Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação).
Para isso, os pesquisadores dividiram a população com base na presença de vulnerabilidades sociais e histórico de tratamentos prévios contra a tuberculose. Além disso, calcularam o número necessário de pessoas a tratar para avaliar a eficácia do tratamento.
A tuberculose é correlacionada à pobreza, segundo a pesquisadora colaboradora da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), Beatriz Duarte, co-autora do artigo. “Para pessoas vulnerabilizadas atingirem o nível de cura, elas precisam de investimentos mais altos”, afirma.
A população privada de liberdade, por sua vez, é o principal fator de risco para a epidemia da doença na América Latina, conforme um segundo artigo publicado na The Lancet Public Health nesta segunda-feira (14).
O estudo revelou que, em 2019, 27,2% dos casos registrados na região estão relacionados ao encarceramento –mais do que o HIV (menos de 15% no Brasil, média similar a da América Latina). Apesar disso, esse público não é o que tem o tratamento mais caro, uma vez que, devido à privação de liberdade, é mais fácil assistir esse paciente.
De acordo com os pesquisadores, condições como superlotação, ventilação precária, desnutrição e acesso limitado à cuidados de saúde, permitem que a doença se espalhe com mais facilidade.
“Chamamos a prisão de instituição amplificadora da doença”, fala o professor da UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul) e pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) Julio Croda, um dos autores do artigo.
Além disso, eles concluíram que o fluxo entre comunidades pobres e as prisões é responsável por gerar a epidemia da doença que atinge países latinos. “A maioria das pessoas encarceradas são reincidentes”, explica o epidemiologista. “Então, elas estão entre a comunidade, recebendo visitas familiares e em contato com trabalhadores do sistema”.
Essa pesquisa considerou dados de 1990 a 2023, que representam 80% dos detentos da região e de casos de tuberculose. Na América Latina, a população carcerária quase quadruplicou desde 1990, tornando-se a que mais cresce no mundo.
“Esse encarceramento está associado ao combate às drogas, que é uma política punitiva”, diz Croda. “O aumento da população carcerária está diretamente relacionado à explosão da tuberculose”. Por isso, a incidência global da enfermidade diminuiu 8,7% desde 2015 enquanto, na América Latina, subiu 19%.
Caso sejam feitas intervenções na área, argumentam os autores, a incidência futura poderia ser reduzida em mais de 10%. Em primeiro lugar, Croda defende que existam políticas carcerárias regionais porque as taxas de encarceramento são diferentes entre os estados brasileiros. Em segundo, testagens em massa anuais nas pessoas privadas de liberdade para facilitar o tratamento precoce e dificultar a transmissão da doença fora das penitenciárias.
Mas a tendência é contrária na região. Países como Argentina, Equador e, com mais destaque, El Salvador tem endurecido suas políticas prisionais. Em El Salvador, a estimativa é que 60% dos novos casos de tuberculose estejam relacionados à prisão. No Brasil, é em torno de 40%.
Para a advogada criminalista Márcia Irigonhê, é preciso criar condições adequadas nas celas e respeitar direitos dos detentos para que doenças como tuberculose parem de incidir. “Nós temos uma tendência de encarceramento em massa. O Brasil prende muito e prende mal”, fala.
Os custos do retratamento
Ainda segundo o pesquisador da Fiocruz Bruno Andrade, que assina a primeira pesquisa, a tuberculose é uma doença comuns a países de baixa renda. “A doença incide pouco em países ricos porque há um investimento sistemático em minimizar as populações em vulnerabilidade social. Ao reduzir a pobreza, você reduz a transmissão dessas doenças”, explica.
Embora pessoas em situação de rua, dependentes químicos e pacientes em retratamento tenham maior probabilidade de recuperação, são os que mais custam ao sistema de saúde para atingir 90% de chance de tratamento –meta estipulada pela OMS (Organização Mundial da Saúde). “Eles têm uma taxa de abandono do tratamento altíssima, tornando-se fontes de transmissão”, fala Duarte.
Pessoas em situação de rua, dependentes químicos e pacientes em retratamento possuem o maior impacto positivo ao serem encaminhados para o TDO (Tratamento Diretamente Observado) –estratégia baseada na supervisão de profissionais de saúde na aplicação de medicações prescritas.
No entanto, são os que mais custam para atingir a meta de 90% de cura estabelecida pela OMS. “Eles apresentam uma taxa de abandono altíssima, tornando-se um problema de saúde pública e uma fonte potencial de transmissão”, comenta Duarte.
“O alarme que fazemos é que deveria ser reduzido o custo do retratamento se o SUS (Sistema Único de Saúde) tivesse conseguido manter essas pessoas até o final do tratamento. Pacientes em retratamento apresentam maior risco de um novo abandono ao tratamento. Portanto, é crucial desenvolver uma estratégia de acompanhamento específica para esses casos, oferecendo um suporte diferenciado que reduza as chances de novos abandonos e retratamentos”, comenta a pesquisadora.
Para isso, os pesquisadores dizem que a estratégia eficaz é identificar esses pacientes com risco alto de abandono e implementar medidas preventivas a partir do diagnóstico inicial. “Uma dessas medidas é o TDO, que deve ser direcionado a esses grupos de risco”, argumenta Duarte.
Além disso, defendem investimentos em políticas de suporte e incentivos logo no início do tratamento para evitar que o paciente desista, o que resultaria em custos adicionais para o sistema.