É comum que surjam dúvidas após o diagnóstico de câncer de mama, especialmente quanto ao tratamento adequado. No Sistema Único de Saúde (SUS), a paciente pode ser acompanhada desde os primeiros sintomas, com acesso a diversas terapias para combater o tumor e promover a recuperação.
De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), a estimativa para 2024 é que o Brasil registre 73.610 novos casos de câncer de mama, o que equivale a 66,54 casos por 100 mil mulheres.
Pessoas que apresentam sinais de irregularidade nas mamas, como caroço e sangramento, devem procurar atendimento em uma UBS (Unidade Básica de Saúde), que é a principal porta de entrada do SUS. Para mulheres com mais de 50 anos, mesmo sem sintomas, a mamografia de rastreio deve ser realizada a cada dois anos.
Na UBS, o médico realizará uma consulta inicial e solicitará exames de imagem, como mamografia e ultrassom. Após passar pela lista espera, esses testes podem ser feitos na própria unidade ou a paciente poderá ser encaminhada para clínicas e ambulatórios especializados.
O exame de imagem vai identificar possíveis alterações na mama e a extensão da lesão. Depois, é preciso fazer uma biópsia, que é a retirada de um fragmento da área afetada para análise em um laboratório do SUS ou por meio de parcerias público-privadas, a fim de confirmar a existência e o tipo do tumor.
Com o diagnóstico da doença, a paciente entra em uma fila de espera nos hospitais de alta complexidade, onde o câncer é tratado. Pelo SUS, as pacientes devem ter acesso à biópsia em até 30 dias (Lei 13.896/2019) e iniciar o tratamento em, no máximo, 60 dias (Lei 12.732/2012).
Veja o passo a passo simplificado:
- 1° passo – Ao perceber irregularidades nas mamas, como caroços e sangramentos, a paciente deve procurar atendimento em uma UBS (Unidade Básica de Saúde). Mesmo sem sintomas, a paciente maior de 50 anos deve realizar a mamografia de rastreio a cada dois anos.
- 2º passo – Caso seja encontrada uma lesão na mama, a paciente será encaminhada pela UBS para fazer uma biópsia em um centro especializado, e uma amostra da lesão será enviada para um laboratório de patologia do SUS para análise. Por lei, todos os exames necessários para o diagnóstico devem ser realizados e liberados em até 30 dias.
- 3º passo – Com o câncer confirmado, a paciente entra na fila de espera para receber tratamento em um hospital de alta complexidade. Por lei, o primeiro tratamento deve ser realizado em até 60 dias.
- 4º passo – No hospital, o tumor pode ser tratado com cirurgia, quimioterapia, radioterapia e hormonioterapia. Durante o tratamento, a paciente também pode ser encaminhada para profissionais de suporte, como fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos.
Diagnóstico precoce é essencial
Para aumentar as chances de cura, é fundamental que a mulher tenha um diagnóstico precoce, com o tumor ainda em fase inicial. Apesar disso, um dos desafios para o tratamento do câncer de mama no sistema público é a dificuldade no diagnóstico. O tempo de espera entre o atendimento na UBS, a realização de exames de imagem e a biópsia pode ser muito longo.
Em 2023, segundo o Inca, 48,8% das mamografias de rastreamento tiveram laudos liberados em até 30 dias após a solicitação do exame. No entanto, cerca de 36% dos exames foram liberados com mais de 60 dias.
Entre 2019 e 2023, a maioria dos casos de câncer de mama notificados pelo Inca levou mais de 60 dias para que o tratamento oncológico fosse iniciado. No ano passado, 50,9% dos tumores mamários do país foram tratados após o período de dois meses.
Nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, mais de 60% dos exames de biópsia de mama realizados no SUS tiveram resultado liberado em até 30 dias. Já nas regiões Norte e Nordeste, menos da metade desses exames teve resultado liberado em até 30 dias.
O oncologista Roberto Gil, diretor-geral do Inca, afirma que há iniciativas em andamento para que o diagnóstico seja mais rápido e eficaz. Ele também destaca a importância da mamografia de rastreio.
“Ainda precisamos aumentar nossa capacidade de rastreamento; temos uma cobertura de cerca de 60% no Brasil para as pacientes entre 50 e 69 anos que fazem a mamografia de rastreio, mas precisamos chegar a 100%”, afirma Roberto Gil.
Tratamento é multidisciplinar
Quando a paciente chega a hospitais especializados e capacitados para tratar o câncer de mama, o médico elabora um plano de tratamento individual que considera o estadiamento (extensão e grau de disseminação) e o tipo do tumor, além de fatores como idade e comorbidades, como hipertensão e diabetes.
“Alguns casos serão operados inicialmente, então a paciente será encaminhada para serviços de mastologia. Outros casos terão que passar por quimioterapia antes, então irão para um serviço de oncologia clínica”, explica o oncologista.
A necessidade de radioterapia e hormonioterapia também é avaliada, já que o tratamento do câncer de mama é multidisciplinar e pode envolver o apoio de fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos.
A comunicadora social Gislene Charaba, 36, tratou um câncer de mama na rede pública de saúde após identificar um caroço na mama em 2016, aos 29 anos. Ela buscou atendimento em uma UBS de São Paulo, mas como não tinha cartão do SUS, precisou solicitá-lo e retornar à unidade dias depois.
Na consulta com um ginecologista, Gislene descobriu que precisava entrar em uma fila de espera para realizar os exames de imagem, o que levaria cerca de 30 dias, e só depois poderia fazer a biópsia. Com medo de esperar tanto tempo, decidiu pagar pelos testes.
“Voltei para o SUS já com o resultado do ultrassom das mamas e a biópsia, que confirmou um câncer invasivo de estágio 3 para 4, mas precisei aguardar na fila novamente para ser encaminhada a um hospital”, conta.
Foi então que Gislene descobriu a lei dos 60 dias e buscou garantir que ela fosse cumprida. Cerca de dois meses após o diagnóstico, conseguiu fazer quimioterapia, cirurgia e radioterapia no Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo).
“Acho que a maior demora foi no meu diagnóstico e encaminhamento ao hospital, mas quando consegui ser atendida na alta complexidade, fiz todos os procedimentos no tempo certo e pude me recuperar”, afirma.
A advogada e consultora em direito da saúde Natália Guimarães orienta que, quando os prazos estabelecidos por lei para a realização da biópsia e início do tratamento não são cumpridos, os pacientes devem fazer uma reclamação na ouvidoria da secretaria de Saúde do estado onde são atendidos. Foi o que Gislene fez.
“Os pacientes também podem registrar reclamações na ouvidoria da unidade de saúde onde são acompanhados. Se houver demora na resposta, é possível ingressar com uma ação judicial para solicitar o cumprimento das leis, por meio de um defensor público”, afirma.
Esta reportagem faz parte de projeto desenvolvido com apoio do Hospital Sírio-Libanês