A política de esterilização forçada do Peru durante a década de 1990 constituiu violência e discriminação de gênero, especialmente contra mulheres indígenas e de baixa renda, disse um comitê da ONU nesta quarta-feira (30).
A esterilização forçada fazia parte de um programa de planejamento familiar implementado pelo então presidente do Peru, Alberto Fujimori, durante os últimos quatro anos do seu mandato, que terminou em 2000, após uma década no poder.
O Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher observou que centenas de milhares de pessoas, principalmente mulheres, foram afetadas, e alertou que “a esterilização forçada de forma generalizada ou sistemática pode constituir um crime contra a humanidade”.
O comitê de 23 membros analisou uma ação conjunta movida por cinco vítimas que foram esterilizadas à força entre 1996 e 1997.
“As vítimas afirmaram que as esterilizações forçadas tiveram consequências graves e permanentes para a sua saúde física e mental”, relatou em um comunicado.
As mulheres, que apresentaram o caso ao comitê em 2020, descreveram “um padrão consistente de coerção, pressão ou engano para se submeterem a esterilizações em clínicas sem infraestrutura adequada ou pessoal treinado”, explicou Leticia Bonifaz, membro do comitê, no comunicado.
“Os procedimentos foram realizados sem o consentimento informado destas vítimas. Algumas delas não sabiam ler ou falar espanhol ou não entendiam a natureza do procedimento”, explicou.
Ataque sistemático e generalizado
O comitê descreveu o caso de uma vítima da cidade de Pichgas, no departamento de Huánuco (centro norte), que relatou ter sido interceptada na rua por profissionais de saúde em outubro de 1996.
A mulher, que afirmou ser analfabeta e que não assinou nada, disse que foi sedada e que quando acordou as enfermeiras lhe disseram: “Você não terá mais filhos, nós te curamos”, segundo o comunicado.
“Ela sentia fortes dores no abdômen, mas recebeu alta imediatamente e teve que voltar para casa sem cuidados pós-operatórios”, acrescenta o texto. “Quando o marido dela descobriu que ela havia sido esterilizada, ele a abandonou”.
O comitê determinou que o programa constituía “violência de gênero contra as mulheres”.
Embora o Peru tenha argumentado que o programa de esterilização fazia parte de uma política mais ampla de saúde reprodutiva, que incluía procedimentos tanto para homens como para mulheres, os especialistas destacaram que apenas 25 mil homens foram esterilizados à força, em comparação com mais de 300 mil mulheres.
O comitê determinou que “a esterilização forçada era uma forma de violência baseada no sexo contra as mulheres, já que as esterilizações masculinas e femininas diferem substancialmente na natureza da intervenção e nos riscos cirúrgicos associados”.
Também observou que as vítimas foram esterilizadas por pessoal médico não especializado e em condições sanitárias inadequadas.
O comitê, que emite pareceres e recomendações que não são vinculativos, mas que têm peso representacional, concluiu que o programa representava uma “discriminação interseccional”.
“As esterilizações forçadas foram realizadas como parte de um ataque sistemático e generalizado contra as mulheres rurais e indígenas”, acrescentou Bonifaz.
Especialistas denunciaram a falta de investigação adequada do Peru sobre estas violações e a falta de compensação às vítimas de esterilização forçada, e instaram o país a retificar esta situação e implementar um “programa abrangente de reparação para as vítimas”.