Quanto mais conheço animais humanos da estirpe de Donald Trump, mais admiro as árvores. Para quem se estuporou com a eleição norte-americana, recomenda-se a poesia encarnada em choupos trêmulos e seu perene manifesto pela existência comunitária.
A coluna não enlouqueceu, calma. É puro entusiasmo com um bosque chamado Pando, com uma legião de Populus tremuloides –choupos trêmulos– em Utah (EUA). Ele passou incólume até pela última glaciação, de 20 mil a 26 mil anos atrás, com base só na força do vínculo que as árvores mantêm entre si.
O portento se estende por 426 mil m², quase um terço da área do Ibirapuera, com 47 mil clones de um espécime que viveu entre 16 mil e 80 mil anos atrás. Todos os troncos brotaram do mesmo sistema de raízes no subsolo, elo que os torna um só organismo, o mais longevo do planeta.
“Pando” vem do verbo latino para “espalhar”, apelido algo óbvio para uma árvore que começou a se reproduzir assexuadamente antes de a humanidade praticar a agricultura. É o congênere vegetal de um superorganismo célebre, o fungo Armillaria gallica de 2.500 anos e 750 mil m² de filamentos no subsolo de Michigan.
Já se sabia que o bosque Pando resulta da clonagem incansável do choupo cujas folhas tremelicam ao vento, daí o nome da espécie, P. tremuloides. Mas não se conhecia a genética peculiar que vem possibilitando o brotamento de novos troncos, a partir da mesma rede unificada de raízes, por tantos milênios.
Um pouco do mistério se vê decifrado no artigo “Mosaico de Mutações Somáticas no Organismo Vivo mais Velho da Terra, Pando”, de Rozenn Pineau e colaboradores. Mutações somáticas são aquelas que não foram herdadas, e sim falhas de cópia do DNA na divisão sucessiva de células que faz o organismo crescer.
A complicada análise indica que mutações somáticas ocorrem com maior frequência no que se poderia chamar de periferia dos choupos, seus ramos e folhas. As raízes, que garantem a proliferação, têm taxa mutacional.
Os autores também notaram que tais mutações não resultam distribuídas de modo homogêneo pelo bosque. Elas ficam confinadas na vizinhança imediata das árvores.
A produção local de diversidade, aliada ao continuísmo genético das raízes progenitoras, seria o segredo dos clones trêmulos para se adaptar a ambientes em transformação, vicejar e dominar o terreno.
Fazer analogias entre mundo natural e sociedade humana é empresa temerária. Certa filosofia arbórea implícita nesse grau zero da vida multicelular autoriza o risco, porém.
A identidade concebida como atributo de corpos únicos e indivisos, tendo como protótipo animais humanos, se esvai quando os seres multifacetados que são as árvores –confrarias de folhas efêmeras– calham também de ser clones, como Pando.
O bosque abriga muita diversidade, como uma sociedade multicultural, mas também a comunidade indelével das raízes. Com Trump, Bolsonaro, Milei e caterva, a herança compartilhada se perde em mutações deletérias: solidariedade dá lugar ao individualismo, coexistência à agressividade, empatia à competição.
A união na pluralidade (e pluribus unum) da frondosa democracia norte-americana está sob ameaça de extinção. É torcer para suas raízes não apodrecerem de vez em quatro anos de degeneração divisiva.
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