A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (27) uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que pretende proibir o aborto no país, sob protesto de parlamentares da esquerda.
Foram 35 votos favoráveis e 15 contrários. O governo orientou contra. A sessão do colegiado teve de ser interrompida por cerca de 50 minutos após um grupo de mulheres entrarem no plenário em que ocorria a reunião para protestar contra a PEC.
Aos gritos de “retira a PEC”, “e se fosse a sua filha?”, “criança não é mãe, estuprador não é pai” e “essa PEC só defende estuprador”, o grupo de mulheres entrou no auditório da CCJ, interrompendo a sessão. Com isso, a presidente do colegiado, Caroline de Toni (PL-SC), interrompeu a sessão e solicitou que ela ocorresse em outro auditório —sem a presença de manifestantes.
Houve princípio de tumulto e bate-boca entre deputados da direita e da esquerda.
Apresentada em 2012, a PEC é de autoria de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara. O texto propõe uma mudança no artigo 5° da Constituição, que trata dos direitos fundamentais dos cidadãos, incluindo a inviolabilidade do direito à vida “desde a concepção”.
Hoje, o aborto no Brasil é autorizado em três casos: gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do feto. Com o texto da PEC, a proibição também avançaria nesses casos.
Com a aprovação na CCJ, caberá ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), criar uma comissão especial para debater o mérito da proposta. A comissão pode ter até 40 sessões (podendo encerrar antes) e, caso aprovada nesse colegiado, segue ao plenário da Casa para ser apreciada em dois turnos.
A pauta do aborto é um dos temas que opõe a esquerda e a direita na Câmara. Em junho, deputados aprovaram o regime de urgência para o PL Antiaborto por Estupro, que equipara as penas para abortos realizados após 22 semanas de gestação às penas previstas para homicídio simples.
Após repercussão negativa e forte pressão da sociedade, Lira afirmou que criaria uma “comissão representativa” para debater o tema, algo que ainda não saiu do papel.
Esse projeto foi resgatado por parlamentares da esquerda ao longo da sessão desta quarta para criticar a PEC que estava em votação. A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) afirmou que a proposta é uma “atrocidade” e “carregada de retrocessos”.
“Essa PEC é muito pior. O projeto era específico para não permitir o direito do aborto em gestações acima de 22 semanas, o que impactaria, sobretudo, meninas. Essa PEC também atinge esses casos, mas vai além, porque não impõe limite gestacional”, disse Sâmia.
Um dos vice-líderes do governo na Câmara, Bacelar (PV-BA) afirmou que a proposta é inconstitucional e, portanto, não deveria avançar na Casa.
Já parlamentares da direita defenderam a aprovação do texto, afirmando se tratar da “PEC da Vida”. A deputada Julia Zanatta (PL-SC) afirmou que o colegiado tem uma “grande oportunidade de fazer justiça” com a votação da proposta. “A ciência é inequívoca, não é uma questão política. E a vida humana, segundo a ciência, começa na concepção”, disse.
Os deputados Mauricio Marcon (Podemos-RS), Gilson Marques (Novo-SC) e Coronel Fernanda (PL-MT) exibiram um boneco imitando um feto durante a sessão, para defender a aprovação da proposta.
Na avaliação de líderes ouvidos pela reportagem, a PEC aprovada na CCJ não deverá avançar na Casa. Eles dizem que Lira afirmou publicamente, quando foi discutido o PL Antiaborto por Estupro, que não haveria retrocessos na legislação atual.
Nove organizações divulgaram um manifesto criticando a aprovação da PEC. As entidades dizem que a proposta obriga mulheres e crianças a manter gestações que representam risco de perda da vida, viola o direito do planejamento familiar, pode impedir o acesso das mulheres a diagnósticos de pré-natal (porque as técnicas para realizá-las podem ser consideradas invasivas contra o embrião) e pode impedir o acesso às técnicas de reprodução assistida, como fertilização in vitro e pesquisas com células tronco.
“A aprovação deste projeto representaria um verdadeiro retrocesso no campo da ciência. Ao se conferir ao óvulo fecundado ou ao embrião o direito absoluto à vida desde a concepção, como pretende a PEC, abre-se a possibilidade de proibição futura de técnicas de reprodução assistida e pesquisas em células embrionárias para fins terapêuticos”, diz o manifesto.
Assinam o documento organizações como Criança Não É Mãe, Rede Nacional Feminista de Saúde, Redeh (Rede de Desenvolvimento Humano) e Cladem (Comitê Latino-americano e do Caribe pelos Direitos da Mulher).