O Rock in Rio é o festival de música mais bem-sucedido do Brasil e abriga várias tribos. Apesar de todo o pluralismo, ano após ano o Rock in Rio ignora a música sertaneja.
Nunca houve qualquer artista associado à música sertaneja que tenha se apresentado em qualquer edição do festival. Não importa que o rock tenha sido parte constitutiva da música sertaneja desde que Leo Canhoto & Robertinho misturaram baixo, bateria e guitarras com letras caipiras em 1969. Não importa que na década de 1970 Chitãozinho & Xororó tenham deixado o cabelo crescer influenciados pelos Beatles e o rock cabeludo depois deles.
Nos anos 1990, quando perguntados sobre suas influências estéticas, Chrystian & Ralf diziam ouvir Led Zeppelin, Pantera e Metallica, além de Tião Carreiro & Pardinho. Mas esta admiração pelo rock por parte de muitos sertanejos não é suficiente para os curadores do Rock in Rio.
Desde o advento do “sertanejo universitário”, a partir de 2005, a música sertaneja vem sendo clara e explicitamente associada à juventude. Artistas como Luan Santana, João Neto & Frederico ou mesmo Marília Mendonça sempre tiveram público jovem. O público do Rock in Rio também é da mesma faixa etária. Mas isso tampouco é suficiente para que os sertanejos ganhem o passaporte do festival.
E se o rock sempre foi visto como o palco de músicos virtuoses, porque Victor Chaves, o virtuoso do violão de cordas de aço da dupla Victor & Leo, e Matheus, guitarrista tatuado da dupla Jorge & Mateus, nunca foram convidados?
Hudson, guitarrista parceiro de Edson, lançou um disco solo de rock pesado chamado ‘Turbination’ em 2008, com participação de Andreas Kisser, do Sepultura. Apesar de Hudson tocar a mesma guitarra de Slash, do Guns N’ Roses, uma Gibson Les Paul, não foi lembrado pelos curadores do Rock in Rio.
O principal festival da indústria cultural brasileira exclui todo e qualquer artista associado à principal música da indústria cultural brasileira. Trata-se de um paradoxo que funde os miolos de qualquer pessoa que explique todas nossas intrincadas relações culturais pura e simplesmente pelas regras mercadológicas.
A edição deste ano é a 22ª do festival. Dessas, oito foram realizadas no Rio e 13 no exterior. Lisboa abrigou nove edições; Madri, três; e Las Vegas, uma. Durante 123 dias, 2,4 mil artistas se revezaram para um público de 10,4 milhões de pessoas.
Considerando que o Rock in Rio é uma marca global, fica claro que, ao ignorar a principal música pop do Brasil do século 21, o festival ignora o gosto estético dos rincões do país. É de se perguntar se os organizadores têm vergonha desse Brasil profundo.
Mas porque deveria haver música sertaneja num festival como o Rock in Rio? Afinal, trata-se da festa do rock, certo? Bom, mais ou menos.
Desde a primeira edição, o Rock in Rio nunca foi exclusivamente uma festa de rock. A primeira edição de 1985 teve artistas como Queen, Iron Maiden, Rod Stewart, Paralamas, Lulu Santos, Rita Lee, Barão Vermelho, Yes, AC/DC e Scorpions. Mas também teve artistas associados ao rótulo MPB, como Gilberto Gil, Alceu Valença, Moraes Moreira, Ivan Lins e Ney Matogrosso.
A segunda edição de 1991 teve Prince, Guns N’ Roses e Santana, mas também Elba Ramalho, Ed Motta e Roupa Nova. Na época não se aceitava tudo e Lobão foi vaiado quando trouxe ao palco a escola de samba da Mangueira.
A edição de 2001 abriu a porteira da inclusão. Criou-se até um palco paralelo chamado “Tenda Brasil”, no qual se apresentaram Luiz Melodia, Sandra de Sá, Jair Rodrigues, Mestre Ambrósio, Pedro Camargo Mariano, Sá, Rodrix & Guarabyra e Tom Zé. No palco principal houve apresentações de NSync, Britney Spears e até Sandy & Junior. Nenhum desses artistas é exatamente roqueiros.
Esta edição inovou ao se vender como uma festa global, aberta a diversas influências. Havia a “Tenda Eletro”, para música tecno e eletrônica, e a “Tenda Raízes”, para artistas de lugares improváveis, mas que cabiam no rótulo “world music”. Houve apresentações de artistas argelinos, cubanos, senegalenses, camaroneses, iranianos, finlandeses, marroquinos e até do Mali, Zaire e da Martinica.
De lá para cá, a quantidade de artistas não ligados ao rock só vem aumentando. Shakira e Claudia Leitte se apresentaram na edição de 2011 no Rio. Lenine e Zé Ramalho fizeram apresentações na festa de 2013.
Até o samba entrou no Rock in Rio. O Palco Sunset de 2017 teve um espetáculo chamado “Salve o Samba”, com apresentações de Monarco, Martinho da Vila, Jorge Aragão, Alcione, Mart’nália, Roberta Sá e Criolo. Na última edição, de 2019, estiveram presentes gêneros distintos como a MPB (Elza Soares, Fafá de Belém), tecnobrega (Gaby Amarantos), o funk (Anitta, Buchecha, Ludmilla) e até o axé. Aliás, Ivete Sangalo é a recordista de apresentações em toda a história do Rock in Rio: 15 vezes.
Na edição deste ano estão programados apresentações de artistas do rap nacional (Emicida), MPB (Gilberto Gil, Maria Rita), pop (Luísa Sonza, Marina Sena, Liniker, Vitor Kley, Duda Beat, Johnny Hooker), samba (Jorge Aragão), funk (Ludmilla) e punk (Ratos de Porão), além da música feita por DJs ou por artistas que cantam em cima de bases já gravadas: Post Malone, Racionais MC´s, Alok e DJ Marshmello são alguns exemplos.
Não apenas a música sertaneja foi excluída do festival. Há dois nomes cuja ausência grita nos ouvidos: Roberto Carlos e Caetano Veloso. São seguramente os dois mais importantes divulgadores e legitimadores históricos do rock na sociedade brasileira, mas que, infelizmente, nunca tocaram no Rock in Rio. A ausência destes dois mitos é tão gritante quanto o silêncio sertanejo no festival.
O Rock in Rio, apesar de buscar ser uma festa global, reproduz os preconceitos de seu lugar de origem. O Rio de Janeiro, sempre resistente aos músicos do interior, é o último lugar do país onde um hit sertanejo toca. Não há explicação racional e financeira para o Rock in Rio evitar a música sertaneja. Tudo nos leva a crer que é apenas ranço estético mesmo. Até quando?