Pesquisa Datafolha divulgada em março deste ano mostrou que questões ligadas à saúde lideram as preocupações dos brasileiros, sendo mencionadas por 22% dos entrevistados. Apesar disso, o tema é tratado de forma superficial pelos candidatos tanto nos debates presidenciais quanto nos programas de governo.
É o que afirmam os especialistas que participaram da mesa de abertura da 9ª edição do Congresso Todos Juntos Contra o Câncer, realizada na manhã desta terça-feira (27), em São Paulo.
O evento acontece até quinta-feira (29) e reúne especialistas de diferentes áreas da saúde, referências na oncologia nacional e internacional. O congresso é uma realização do Movimento Todos Juntos Contra o Câncer, entidade que reúne mais de 200 organizações da sociedade civil, comprometidas com o cuidado do paciente oncológico.
“Se saúde é uma prioridade para o eleitor, esse assunto deveria ser discutido de forma prioritária pelos candidatos”, diz Daniel Hissa, sócio consultoria em políticas públicas Patri e um dos participantes da primeira mesa.
Segundo ele, a saúde é negligenciada nas discussões por ser um tema com baixo potencial de engajamento.
De acordo com Hissa, assuntos como o papel do Estado na economia costumam ser mais explorados pelos candidatos porque geram divergências e debates acalorados, o que aumenta o envolvimento do eleitor.
Por outro lado, a saúde não costuma estimular grandes divergências. Isso porque, diz Hissa, a maior parte dos candidatos não se coloca a favor da privatização da assistência médica ou contra a universalização do sistema de saúde.
“Sem contraposição de ideias, elas não são refinadas pelos políticos. Muitas propostas têm mais um tom aspiracional do que perfil de plano de governo.”
Diagnóstico parecido faz André Medici, economista sênior de saúde do Banco Mundial. Ele salienta que os planos de governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) não falam de forma clara sobre o aumento do financiamento da saúde. De acordo com o especialista, os valores destinados ao setor deixam a desejar.
“O financiamento púbico é de 3,8% do PIB. Isso é muito baixo”, diz ele, acrescentando que os gastos públicos dos países que compõem a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) giram em torno de 6% do PIB.
A entidade reúne mais de 30 países, como França, Alemanha e Estados Unidos. “O gasto público com saúde no Brasil está menor que o dos Estados Unidos, que é um país que vive a hegemonia da assistência privada.”
No caso do câncer, as políticas públicas para a doença são subfinanciadas, diz Medici. “É preciso que se cobre os candidatos sobre isso, porque câncer é a segunda maior causa de morte no Brasil. Com o envelhecimento das pessoas, é possível que ele se torne a primeira.”
O médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto diz que a pobreza, problema que tem aumentado no país, impõe ainda mais desafios à saúde. “Os determinantes sociais matam mais do que a falta de remédio”, diz ele, referindo-se às condições em que uma pessoa vive e trabalha.
“É grave não fazer o diagnóstico porque o paciente morreu antes de ter acesso aos exames por causa da miséria. Precisamos melhorar as condições de vida dos brasileiros. Sem isso, não vamos melhorar a saúde.”
Coordenadora da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), Elisa Prieto diz que o câncer costuma matar mais populações vulneráveis. O câncer de colo de útero é um exemplo disso.
A doença, diz Prieto, atinge mulheres de forma democrática, mas a mortalidade costuma ser mais frequente entre pacientes mais pobres.
“Os grupos desfavorecidos têm maior probabilidade de não receber tratamento adequado.”
Um dos caminhos para driblar esse problema é difundir informação sobre como prevenir a doença. É isso o que propõe Catherine Moura, CEO da Abrale (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia). Além disso, ela diz ser importante aumentar a rede de cuidados oncológicos do país tanto na rede pública quanto na privada.
“A atenção ao câncer precisa ser uma agenda pública e social. É um problema e uma responsabilidade de todos nós”, afirma.