Tony Earls inclinou a cabeça diante de uma fileira de câmeras de televisão, sentindo sua vida virada de cabeça para baixo. Dias antes, Earls havia sacado sua arma e disparado, tentando atingir um homem que acabara de roubar a ele e sua mulher num caixa eletrônico em Houston. Em vez disso, ele atingiu Arlene Alvarez, uma menina de 9 anos que estava numa picape que passava, e a matou.
“Earls tem licença para portar arma?”, perguntou um repórter durante a entrevista coletiva em fevereiro, na qual seu advogado falou por ele.
Ele não precisava ter, respondeu o advogado. “Tudo nessa situação, acreditamos e afirmamos, se justificava pela lei do Texas.” Um grande júri concordou mais tarde, recusando-se a indiciar Earls por qualquer crime.
Os tiros, segundo muitos xerifes, líderes policiais e promotores públicos de áreas urbanas do Texas, fizeram parte do aumento do número de pessoas que carregam armas e das reações impensadas desde que o estado permitiu que a maioria dos adultos de 21 anos ou mais portem uma pistola sem licença.
Ao mesmo tempo, principalmente em áreas rurais, outros xerifes disseram ter visto poucas mudanças, e os defensores do direito às armas disseram que o maior número de pessoas portando armas legalmente pode ser parte do motivo pelo qual os tiroteios diminuíram em algumas partes do estado.
Longe de ser uma exceção, o Texas, com sua nova lei, somou-se ao que tem sido um esforço crescente para abolir quase todas as restrições ao porte de armas de fogo. Quando a lei de “porte sem autorização” do Alabama entrar em vigor, em janeiro, metade dos estados do país, do Maine ao Arizona, não exigirá licença para portar uma arma de cano curto.
A pressão legislativa estado a estado coincidiu com um Judiciário federal que decidiu cada vez mais a favor do porte de armas e contra os esforços estaduais para regulamentá-lo.
Mas o Texas é o estado mais populoso a abolir os requisitos de permissão de porte de arma. Cinco das 15 maiores cidades do país estão no Texas, tornando a abordagem de armas de fogo sem permissão um fato novo em áreas urbanas, numa extensão não vista em outros estados.
Na cidade fronteiriça de Eagle Pass, discussões de bêbados se transformaram em tiroteios. Em El Paso, foliões que levam legalmente suas armas para festas abriram fogo para impedir brigas. Em Houston e arredores, os promotores têm recebido um fluxo crescente de casos envolvendo armas exibidas ou disparadas por causa de vagas de estacionamento, má direção, música alta e triângulos amorosos.
“Parece que agora houve um ponto de inflexão em que todo mundo está armado”, disse o xerife Ed Gonzalez, do condado de Harris, que inclui Houston.
Nenhuma estatística de tiro em todo o estado foi divulgada desde que a lei entrou em vigor, em setembro passado. Depois de um 2021 particularmente violento em muitas partes do estado, o quadro da criminalidade no Texas foi misto este ano, com homicídios e agressões aumentando em alguns lugares e diminuindo em outros.
Mas o que ficou claro é que muito menos pessoas estão obtendo novas licenças para revólveres, embora muitos policiais digam que o número de armas que encontram nas ruas aumentou.
Os departamentos de polícia de grandes cidades e os principais grupos de aplicação da Justiça se opuseram à nova lei de armas de fogo quando foi apresentada ao Legislativo estadual na primavera passada, preocupados em parte com a perda da exigência de treinamento para tirar a permissão e um maior risco para os policiais.
Mas os defensores do direito às armas prevaleceram no Capitólio dominado pelos republicanos, argumentando que os texanos não deveriam precisar de permissão do estado para exercer seus direitos da Segunda Emenda constitucional.
O afrouxamento das regulamentações também ocorreu no meio do debate nacional sobre o crime. Pesquisadores há muito discutem sobre o efeito de permitir que mais pessoas possuam e portem armas legalmente. Mas uma série de estudos recentes encontrou uma ligação entre as leis que facilitam o porte de armas e o aumento da criminalidade, e alguns levantaram a possibilidade de que mais armas em circulação levem a mais roubos de armas e mais tiroteios pela polícia.
“O peso das evidências mudou na direção de que mais armas equivalem a mais crimes”, disse John J. Donohue III, professor da Faculdade de Direito de Stanford e autor de vários estudos recentes sobre regulamentação de armas e criminalidade.
Grande parte da pesquisa tem sido sobre os efeitos de facilitar a obtenção de licenças, parte das chamadas leis do direito de porte, e Donohue alertou que só há dados limitados sobre leis que, na maioria dos casos, não exigem qualquer licença.
“Acho que a maioria das pessoas está raciocinando por analogia: se você achava que o direito de porte era prejudicial, isto será pior”, disse ele.
Mas John R. Lott Jr., antigo pesquisador cujo livro de 1998, “More Guns, Less Crime” (mais armas, menos crimes), foi influente entre os defensores do direito às armas, disse que os estudos mais recentes não levaram em conta diferenças entre os regulamentos estaduais sobre armas que poderiam explicar o aumento da criminalidade. Ele também apontou alguns declínios recentes de crimes nas cidades do Texas depois que a lei de porte sem permissão entrou em vigor, e no que ele considera a importância de aumentar a posse legal de armas em áreas de alta criminalidade.
“Se minha pesquisa me convence de alguma coisa”, disse Lott, “é que você obterá a maior redução no crime se as pessoas que são as vítimas mais prováveis de crimes violentos, predominantemente negros pobres, são as que estão tirando permissões”.
Em Dallas, houve um aumento no número de homicídios considerados justificáveis, como os cometidos em legítima defesa, mesmo com a redução geral de tiroteios em relação aos altos níveis do ano passado.
“Tivemos tiroteios justificáveis em que potenciais vítimas se defenderam”, disse o chefe de polícia de Dallas, Eddie Garcia. “Funciona nos dois sentidos.”
Em outubro passado, em Port Arthur, no Texas, um homem com um revólver, que tinha licença, viu dois ladrões armados em uma lanchonete e disparou pela janela do drive-thru, atingindo fatalmente um dos homens e ferindo o outro. Suas ações foram elogiadas pelo promotor local.
Michael Mata, presidente do sindicato local da polícia em Dallas, disse que ele e seus colegas policiais não viram aumento de crimes violentos ligados à nova lei de porte sem permissão, embora houvesse “absolutamente” mais armas nas ruas.
O xerife David Soward, do condado de Atascosa, uma área rural ao sul de San Antonio, disse que também não viu um aumento claro de tiroteios. “Apenas uma pequena porcentagem de pessoas realmente tira proveito da lei”, disse ele.
Para muitos policiais, entretanto, a conexão entre a nova lei e os tiroteios espontâneos ficou evidente.
“Agora que todos podem carregar armas, temos pessoas que bebem e começam a atirar umas nas outras”, disse o xerife Tom Schmerber, do condado de Maverick, que inclui Eagle Pass. “As pessoas ficam emocionadas”, disse ele, “e em vez de usar o punho, pegam uma arma. Tivemos vários tiroteios como esse.”
As licenças para revólveres ainda estão disponíveis. O processo envolve uma verificação de antecedentes e um curso de treinamento de aproximadamente cinco horas, inclusive em um campo de tiro, que aborda os problemas legais que podem surgir ao abrir fogo.
O número de novas permissões solicitadas pelos texanos aumentou com a pandemia, mas diminuiu acentuadamente até 2021, à medida que o projeto de lei de porte sem licença passou pelo Legislativo. Uma média de menos de 5.000 por mês foi emitida em 2022, menor do que em qualquer momento desde 2017.
Muitos texanos ainda desejam a licença por causa dos benefícios que ela oferece, incluindo a capacidade de carregar uma arma escondida em uma reunião do governo. Mas não é mais necessária.
“Alguém poderia entrar numa loja esportiva aqui em El Paso, comprar uma arma e sair com ela após a verificação de antecedentes”, disse Ryan Urrutia, comandante do escritório do delegado de El Paso. “Isso realmente deixa a polícia em desvantagem, porque coloca nas ruas mais armas que podem ser usadas contra nós.”
A lei ainda proíbe o porte de arma para os condenados por algum crime, os que estão embriagados ou cometendo outro crime. No condado de Harris, os casos criminais envolvendo porte ilegal de armas aumentaram drasticamente desde que a nova lei entrou em vigor: 3.500 até agora este ano, em meados de outubro, contra 2.300 em todo o ano de 2021 e uma média de cerca de 1.000 casos em anos anteriores remontando a 2012.
“É chocante”, disse Kim Ogg, promotora pública do condado de Harris. “Vimos mais pessoas portando armas, o que por si só seria legal. Mas as pessoas estão portando armas enquanto cometem outros crimes, e não estou falando apenas de crimes violentos. Estou falando de crimes de intoxicação ou crimes de direção ou contra a propriedade, porte de armas na propriedade escolar ou em outro local proibido”, incluindo bares e terrenos escolares.
Seu escritório forneceu uma amostra de prisões nas últimas semanas: um homem de 21 anos carregando uma pistola e um segundo pente de munição enquanto caminhava pelo terreno de uma escola primária durante o horário escolar; um homem pulando de seu carro e abrindo fogo contra um motorista num acesso de raiva na rua; uma mulher, enquanto ajudava seu irmão pequeno a entrar num carro, virando-se para atirar em outra mulher após uma discussão sobre um vídeo em rede social.