O câncer de mama tem cura e as chances de ficar livre da doença chegam a 95% se o diagnóstico for feito precocemente, logo depois do surgimento do tumor. Com isso em mente, a executiva do mercado financeiro Anna Gabriella Chagas Antici, depois de se curar de dois episódios de câncer de mama em dois anos, resolveu fundar o Instituto Protea e ajudar outras mulheres a fazerem o diagnóstico cedo e conseguirem a cura.
“Ela pensou que outras mulheres, que não têm plano de saúde, também deveriam ter a chance de se curar”, disse Cristina Assumpção, diretora-executiva do Protea, organização não governamental sem fins lucrativos criada em 2018. A instituição arrecada recursos da sociedade civil para arcar com os custos de exames, consultas e tratamentos no hospital filantrópico Santa Marcelina de Itaquera, na zona leste de São Paulo.
Essa unidade atende as mulheres encaminhadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e o Protea complementa o valor de cada atendimento, cobrindo integralmente o custo do hospital (já que a tabela do SUS está defasada), para que a fila ande mais rápido. “A ideia é desafogar o sistema, porque o câncer não espera”, afirma Cristina.
Nesses quatro anos, as ações do instituto já possibilitaram o tratamento completo — incluindo cirurgia, sessões de radioterapia e de quimioterapia — a 1,1 mil mulheres e mais de 25 mil exames e consultas pela equipe de mastologia. Apenas em 2021, o Protea arrecadou e repassou ao Santa Marcelina R$ 6 milhões. A intenção, nos próximos meses, é levar a parceria a Salvador (BA), com o Hospital Aristides Maltez.
Foco nas pacientes
Ao lado do custeio de exames e tratamentos, o Protea também desenvolve outros dois projetos. Um deles, chamado de Cuida Mama, foi implementado depois que as equipes constataram que as mulheres chegavam para tratamento já com a doença em estágio muito avançado. “A finalidade desse projeto é saber a jornada da paciente desde a primeira ida à UBS (Unidade Básica de Saúde) e por que ela chega tarde para o tratamento”, explica Cristina.
A taxa de mortalidade do câncer de mama hoje no Brasil é de 25%, “muito alta para uma doença que tem cura em 95% dos casos, quando constatada precocemente”, disse Cristina. Essa taxa, calculam os especialistas, não deveria passar de 8%.
Ao detectar os motivos da demora em buscar diagnóstico e tratamento — que vão desde falta de informação até a demora e/ou negligência dos serviços de saúde —, o instituto, com equipes envolvidas no processo, busca soluções que agilizem o atendimento e o tratamento. Esse projeto é realizado com o apoio do Instituto Tellus e tem patrocínio da Roche, do Instituto Avon e da Sanofi.
O Protea também tem um projeto de inteligência artificial, que, a partir de análises das mamografias das pacientes, estima as chances de uma mulher ter câncer de mama em até cinco anos. Desenvolvido pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) em parceria com o Massachussetts General Hospital, o projeto foi trazido ao Brasil pelo Protea e implantado no Hospital Santa Marcelina com recursos da Patrick McGovern Foundation. Assim, as mamografias das pacientes são monitoradas e o tratamento precoce é iniciado, se necessário.
Números do câncer de mama no Brasil
O Instituto Nacional do Câncer (Inca) estima que em 2022 já foram detectados no Brasil 66 mil novos casos de câncer de mama e, infelizmente, até o fim do ano mais de 18 mil mulheres terão morrido em razão da doença. Isso perfaz uma média de 50 mortes por dia, número ainda maior do que antes da pandemia de covid-19, quando a média diária de mortes era de 42 mulheres. “Muitas mulheres deixaram de fazer os exames preventivos e só vamos baixar esses números incentivando o diagnóstico precoce e o tratamento”, disse Cristina.
Ela lembra que hoje as mamografias podem identificar microtumores e que o autoexame, embora aconselhado, não deve, em hipótese alguma, substituir o rastreamento mamográfico, indicado para ser feito anualmente por mulheres a partir dos 40 anos. “Não é só a mulher mais velha que tem câncer de mama. Cada vez mais mulheres jovens têm tido a doença; e também os casos hereditários são menos de 10%”, alertou Cristina.
As doações e o Outubro Rosa
Funcionando integralmente com dinheiro de doações e sem fins lucrativos, o Protea conta com a doação de pessoas e de empresas. “Não existe doação pequena. Toda doação importa e ajuda a manter o projeto”, diz Cristina, incentivando as pessoas a doarem qualquer quantia, procedimento que pode ser feito pelo site da organização.
No Outubro Rosa, quando se intensificam as campanhas de prevenção ao câncer de mama, a receita da entidade cresce bastante. Em 2021, mais de 60% dos recursos financeiros arrecadados pelo Protea vieram da data.
Neste ano, por exemplo, os dados não estão fechados, mas mais de 200 empresas fizeram parcerias, seja destinando recursos financeiros seja revertendo parte do lucro sobre determinados produtos. “Nos surpreendemos com ideias criativas e que dão incríveis resultados de engajamento da sociedade”, diz Cristina.
Parcerias com empresas
Uma das patrocinadoras é a Le Lis Blanc, loja de artigos femininos, que, neste ano, lançou uma vela com a flor protea — que dá nome ao instituto —, e todo o lucro será destinado à ONG. A Le Lis, parceira há três anos, é a maior doadora anual do instituto.
Já as empresas Razzo e Zambon Bernardi se uniram para produzir 5 mil unidades do sabonete Protea, inicialmente. A ideia foi tão boa e todos quiseram contribuir. Em uma semana, todo o estoque esgotou-se. E as duas empresas já garantiram a produção de mais 10 mil sabonetes.
Além dessas, mais de 50 empresas criaram produtos para reverter as vendas para o custeio de tratamentos. É o caso da Havaianas, que, pela primeira vez, criou um produto que reverte toda a receita de vendas para o Protea. É o pin com a flor Protea, que pode ser usado preso aos chinelos da marca.
Outra empresa que já está no quarto ano de parceria é a rede de lojas Marisa. Há três anos a empresa faz o Dia Rosa, em que destina parte da receita de toda a linha de produtos femininos para o Protea. Neste ano, também criou um calendário, em parceria com a Editora Mol, que destinará todo o lucro de vendas ao instituto.
Ao comentar a importância do mês que se dedica à campanha contra o câncer de mama, Cristina disse que “seria bom se a gente falasse de câncer de mama o ano todo, e não apenas no Outubro Rosa”. “Não é aceitável que tantas mulheres ainda morram de uma doença que pode ser tratada e tem cura”, finalizou.
‘Existe vida, existe tratamento, existe cura’, diz paciente
A agente de endemias Regina Carvalho, 43 anos, está no meio de um tratamento para um câncer de mama, do qual ela suspeitou em setembro do ano passado, ao fazer o autoexame durante o banho. Por vários motivos, conseguiu ir ao médico apenas no começo deste ano, quando fez a mamografia, e confirmou o tumor, em maio. “Foi uma sentença de morte”, resumiu, ao relatar a situação apavorante pela qual muitas mulheres passam ao receber o diagnóstico.
Com a demora do sistema público, Regina fez as primeiras consultas e exames em serviços particulares, até ser encaminhada ao Hospital Santa Marcelina. Lá, tudo foi mais rápido, disse ela. A cirurgia para a retirada parcial de uma das mamas e nódulos na axila foi realizada em 30 de junho.
Ainda com parte das sessões de quimioterapia e toda a radioterapia pela frente, em agosto, Regina começou a frequentar outro projeto do Protea – o grupo de apoio que consiste em reuniões com mulheres que estão na mesma situação, além de atividades, como ioga, atendimento psicológico e arteterapia, desenvolvidas por voluntários.
“Quando eu comecei a frequentar essas reuniões, eu já não estava mais sabendo lidar com isso, não sabia como enfrentar”, contou. Então, ao ouvir histórias parecidas, sobre o medo da doença, o medo da morte, a aceitação do corpo depois da cirurgia, autoestima e as dificuldades do tratamento, suas forças e esperanças se renovaram. “Sem esse apoio eu não sei como estaria hoje.”
Afastada do trabalho desde maio, Regina começou as sessões de quimioterapia em setembro e seus cabelos começaram a cair. Ela garante que, com a ajuda do grupo de apoio, estava preparada para esse momento. “Meu cabelo começou a cair e foi meu marido quem cortou. Ele cortou com a maquininha. Eu já estava preparada porque o Protea me deu esse suporte. Mas pra ele não. Ele sofreu mais nesse momento até do que eu. Mas eu disse: ‘Daqui a pouco cresce de novo e o importante é eu ficar curada’”, relatou.
Depois que terminar as sessões de quimioterapia, ela passará por radioterapia e tomará vacinas. Mas acredita que o fundamental é estar emocionalmente bem. “Esse grupo de apoio e as atividades são nossa outra injeção, um remédio para o estado emocional.”
Recentemente ela publicou fotos e um texto sobre a superação da doença em uma rede social e ficou feliz quando uma antiga colega, que passava pela mesma situação, lhe procurou para pedir conselhos. “Ela estava com medo. Todas ficamos com medo.”
O conselho de Regina para as mulheres é que não deixem de fazer os exames periódicos e que não adiem a busca de um diagnóstico e tratamento. “Quanto antes começar o tratamento, maiores as chances de cura”, aconselha. “Existe vida, existe esperança, existe tratamento e existe cura. Vejo muitas mulheres curadas e isso dá muita força e esperança”, finalizou.