Ele já foi processado pelo iFood, já tentou invadir uma reunião para a qual não foi convidado e tem dezenas de vídeos em seu canal no Youtube fazendo críticas ao aplicativo de entregas.
Em dezembro de 2022, no entanto, a dois dias do Natal, o entregador Ralf Elisário sentou-se um estúdio montado na sede da Movile (dona do app), na capital paulista e, por duas horas, entrevistou Diego Barreto, vice-presidente de Finanças e Estratégia do iFood.
A conversa nascida das mais 20 perguntas preparadas pelo entregador começaram a ser publicadas nesta segunda (9) em seu canal na plataforma de vídeos, o Ralf MT. Serão ao todo sete vídeos, que entrarão diariamente no ar durante a semana.
Ralf, que é conhecido pelo tom exaltado que usa em muitos de seus vídeos, diz ter ficado surpreso com a entrevista. “O incrível é que ele não tentou fugir de nenhuma resposta. Já conversei com várias pessoas do iFood nos últimos anos e ele foi o único que não tentou me enrolar.”
A única hesitação de Barreto, na avaliação do entregador, foi quando questionado se aceitaria trabalhar sem carteira assinada para um operador logístico, os OLs, como são chamadas as empresas que fornecem entregadores ao aplicativo.
Segundo o iFood, essas prestadoras de serviços respondem por 25% dos entregadores com perfis ativos na plataforma. Os demais são chamados de “nuvem”. A atuação dessas empresas é um ponto de sensível na relação frequentemente tensa entre o aplicativo e os entregadores.
Os trabalhadores dizem que, nessas empresas, são obrigados a cumprir horário, têm chefes, metas e não têm liberdade para definir quanto e quando rodam, desvirtuando os princípios de autonomia que esse tipo de atividade deveria garantir.
Barreto, em um dos momentos da entrevista, concorda com a afirmação de Ralf de que “acontecem absurdos dentro das OLs”. No primeiro dos sete vídeos com a entrevista inteira, o vice-presidente de estratégia do iFood diz que o tipo de relação do aplicativo com essas empresas vai mudar.
Segundo Barreto, uma das alterações, a que ele chamou de “franquia OL”, integra estratégias de melhoria no papel que essas prestações de serviço exercem no ecossistema do iFood. O vice-presidente de estratégia da plataforma diz entender que não cabe à empresa fiscalizar o funcionamento das OLs.
“Ainda assim, eu fiscalizo e crio ferramentas [para denúncias]. Não é o suficiente e tem que melhorar”, diz, na entrevista.
Ralf vem publicando vídeos há alguns meses sobre o assunto. Segundo ele, grandes operadores que atendem o iFood já começaram a cadastrar apenas entregadores que tenham MEI (microempreendedor individual) ativo e prometem remuneração mínima por rota e por quilômetro rodado (similar ao do modelo nuvem).
No fim de 2022, uma empresa anunciou que encerraria suas atividades, obrigando o iFood a assumir os pagamentos (que antes seriam feito à prestadora de serviços) dos entregadores, além de integrá-los ao sistema nuvem.
Na sexta (6), Diego Barreto escreveu em seu Instagram que “crescimento vem com diálogo e não com polarização”, ao divulgar a entrevista. “Prazer enorme conversar por duas horas com uma das principais lideranças dos entregadores do Brasil.”
Ralf Elisário diz que a negociação para a entrevista começou em junho, quando ele apareceu, sem ser convidado, a uma reunião feita pelo iFood com entregadores do Rio, onde mora e trabalha. Chamado de Voz do Entregador, o encontro foi feito em vários estados, dentro da estratégia de aproximação do aplicativos com as diversas lideranças.
“Não me deixaram entrar, nem acompanhar as conversas, mas fiquei esperando em uma salinha, quando surgiu a conversa de fazer uma entrevista. Eu topei, mas eu queria o Fabrício Bloisi [CEO do iFood]”, conta o entregador. Bloisi não conseguia atendê-lo, mas Barreto podia, e meses depois o encontro saiu.
Na lista de perguntas que, segundo o influenciador entregador, foram respondidas por Barreto, estavam questões como a possível regulamentação da atividade pelo novo governo, os valores mínimos para as entregas e o pedido para a criação de um tipo de “corrida voltando para casa”, na qual a rota de entrega aproximaria o trabalhador de seu “ponto final”.