Steven Spielberg achou que John Williams estava lhe pregando uma peça. O compositor sentou-se ao piano e tocou o hoje célebre tema associado ao tubarão. O diretor caiu na gargalhada: como aquelas notas repetidas poderiam funcionar? Mas Williams insistiu. Repetiu diversas vezes o tema. Spielberg finalmente cedeu. E, anos mais tarde, afirmaria: “Posso dizer que metade do sucesso do filme eu devo a ele”.
Tubarão, de 1975, foi a segunda colaboração dos dois, que se conheceram em 1973 na preparação do longa Louca Escapada, o primeiro de Spielberg para o cinema. Assim, comemoram este ano cinco décadas de trabalho conjunto, que produziu momentos marcantes como E.T., Contatos Imediatos do Terceiro Grau, A Lista de Schindler, e as séries Jurassic Park e Indiana Jones.
Os dois celebraram nesta quinta (12), em um encontro na American Cinematheque, em Beverly Hills, a parceria de 50 anos, que segue viva: Os Fabelmans, novo filme de Spielberg que acabou de chegar aos cinemas, traz mais uma vez a música de Williams, de 90 anos.
“Acredito que a parceria entre Spielberg e Williams tem a mesma importância que o trabalho desenvolvido por Federico Fellini e Nino Rota”, diz o maestro Jamil Maluf, diretor da Orquestra Experimental de Repertório, que desde 1994 realiza o projeto Cinema em Concerto e, em 1995, fez a primeira de muitas apresentações dedicadas a trilhas do compositor.
“Williams é um excelente orquestrador, sua escrita para os metais descende de Richard Strauss. E há também a atmosfera que ele cria, a magia que ele cria em filmes como E.T., a partir de uma simplicidade absurda.”
Maluf também cita como exemplo a música para Star Wars. A série foi criada e dirigida por George Lucas, mas Spielberg teve sua participação, como conta o compositor Alexandre Guerra, que tem no currículo as trilhas sonoras de mais de 130 filmes e séries de televisão.
“Foi ele quem sugeriu o nome de Williams para a trilha. Lucas queria que o compositor adaptasse a obra Os Planetas, de Gustav Holst. Mas Williams insistiu e se propôs a criar algo com essa atmosfera, mas original.”
Guerra coloca a importância de Williams em um contexto histórico. “O início da música para filmes teve nascente na música sinfônica. O autor da primeira trilha da história foi Camille Saint-Saëns, e depois vieram nomes como Sergei Prokofiev, que trabalhou com Sergei Eisenstein. Então, é um gênero que nasceu da música sinfônica. Mas em algum momento, com o advento do cinema independente, com produções menores, a música popular, que ganhava evidência, passou a ter uma presença mais forte, um apelo que a linguagem sinfônica acabou perdendo”, ele explica.
Para Guerra, Williams mostrou mais uma vez a potência da música de concerto, como ela poderia ser “contundente” quando usada no cinema. “E como teve enorme sucesso, outros seguiram na mesma onda. De certa forma, a importância dele vai além do cinema, pois ele reconectou as pessoas com a linguagem sinfônica.”
Roberto Minczuk, regente titular da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo, segue na mesma linha. “A partir dos anos 1950, 1960, o cinema buscou novas opções, havia o pop, a presença dos sintetizadores. John Williams devolveu a Hollywood esse som tradicional, romântico, grandioso, espetacular”, diz.
Se, como diz o próprio Spielberg, as trilhas de Williams foram fundamentais em seus filmes, o trabalho do diretor também foi responsável por valorizar as partituras do parceiro e amigo.
“Spielberg disse certa vez que faz filmes para colocar música neles. E o fato é que ele dá espaço para a música de tal forma que a torna onipresente, ela é assumida pelo filme. Muitas vezes o diretor não quer que a música venha à tona, seja percebida de forma consciente pelo público. Não é o caso aqui. E é por isso que a música de Williams tem uma eloquência melódica tão grande, criando no público uma memória afetiva que levamos com a gente”, acredita Guerra.
Ele relembra a trilha de A Lista de Schindler, filme sobre o industrial Oskar Schindler, que ajudou a salvar mais de um milhão de judeus durante a 2.ª Guerra. A trilha tem trecho dedicado ao violino, gravado pelo violinista Itzhak Perlman, que em uma entrevista de 2020 falou do impacto provocado pela música.
“Não importa onde eu vá tocar, Ásia, Europa, Estados Unidos, América do Sul, o tema de A Lista de Schindler é sempre a peça que o público pede para ouvir. Ele desperta a emoção nas pessoas a partir de algo tão simples. Isso é poderoso. E há o trabalho conjunto com Spielberg na escolha dos momentos em que a música deve estar presente. Pois não se trata só de ouvir, mas de respeitar também o momento da pausa, do silêncio.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.